Vou contar um fato surpreendente, chocante. Almocei num restaurante recém-aberto aqui em São Paulo, um brasileiro contemporâneo, chamado Satú. O comando é de um ótimo chef, Flávio Miyamura. Gostei da visita, no geral, mas o ponto que quero ressaltar diz respeito à sobremesa. Na hora do doce, uma das opções era escolher a fruta de estação. E a sugestão era, pasmem, um exemplar da estação: seriguela! Foi o que pedi, uma farta tigela de frutinhas carnudas e suculentas.
Peço desculpas se a revelação foi menos bombástica do que o esperado. Mas, acreditem, trata-se de algo raro. Quem frequenta restaurantes sabe que, em sua maioria, as “frutas da estação” disponíveis são manga e abacaxi, eventualmente melão. E quase sempre longe da maturação mais adequada, o que é estranho: se a ideia é oferecer um ingrediente da temporada, por que não cumprir o prometido? Numa abordagem mais franca, então, talvez fosse melhor avisar logo que só tem manga e abacaxi, e pronto.
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Sabemos que nem sempre é possível conseguir um bom fornecedor de vegetais, confiável, rigoroso. Entretanto, do ponto de vista de economia e da qualidade, não seria mais racional investir numa cadeia de serviços que valorize justo aquilo que está em seu ápice? Eu sei que existe também o outro lado da história – o cliente, com seus hábitos e manias. Acostumou a ter as opções de sempre e já se desconectou de coisas que nossas avós sempre souberam: caqui dá em março, morango em agosto, jabuticaba em setembro, pitanga em outubro etc. Mas se os chefs, como já fazem Flávio Miyamura e outros mais, começarem a propor, será que os comensais não entram na brincadeira?
Sempre me lembro do Paraíso Tropical, em Salvador, o restaurante do irrequieto Beto Pimentel, localizado dentro de um sítio, que serve uma farta travessa de frutas (colhidas lá) no encerramento das refeições. Sapoti, umbu, mangaba, caju e muitas outras mais, que encantam os visitantes. É talvez um exemplo extremo, difícil de replicar. Mas que sempre haverá de nos lembrar que as estações trazem coisas que vão muito além do abacaxi e da manga (dos quais eu gosto muito, diga-se).
*Luiz Américo Camargo é crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
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