É um comportamento que está nas redes sociais, nas escolas, nas cozinhas... Você mostra um prato, uma preparação qualquer, e ouve na hora as famosas perguntas. “Posso usar mostarda em vez de pimenta?”; “Posso trocar o azeite por óleo de coco?”; “Posso fritar em vez de assar?”. Em resumo, parece que muita gente não consegue cumprir uma receita – tal qual ela é.
Observo muito sites e perfis ligados à comida. Converso com comunicadores e professores de gastronomia. O discurso é parecido. Em vez de seguir, experimentar como foi proposto, o primeiro impulso do aprendiz é o de mudar. Por quê? Não há resposta, não há justificativa. Claro que, na falta de um ingrediente, na impossibilidade de uma técnica, criam-se alternativas. Mas, no fundo, é só um mexer por mexer, somado a uma dificuldade de chegar até o fim sem nada alterar. Seria um traço da nossa ansiedade contemporânea?
Em meu trabalho com o pão, deparo sempre com essa predisposição, digamos. Noto-a em leitores, em alunos. E é uma constante inquietação por trocar a farinha, questionar se tal passo pode ser feito em um dia em vez de dois... A rigor, tudo pode, tudo é permitido. Somos adultos. A questão é: por que questionar antes de ser feito, de ser tentado? Receitas não são mero produto de uma decisão autoritária. Em tese, foram testadas, calculadas. Elas não são tábuas da lei, mas um plano de voo para um certo resultado.
Uma amiga, chef e professora, tem outro ponto de vista. Para ela, a questão talvez seja a busca por uma autoria, tão em voga: todos querem fazer do seu jeito. Todos são criadores. Eu entendo e louvo a busca pela singularidade. Mas precisamos pensar que, primeiro, aprendemos, praticamos, formamos repertório. Aí improvisamos. O prato daquele restaurante que você adora, por exemplo, só tem padrão porque seus processos foram sistematizados. Aquele bolo da Rita Lobo que sempre dá certo só está lá porque tudo foi medido, ensaiado, aprovado.
Então, fica o meu convite, por antiquado que pareça. Leia a receita até o fim. Execute-a fielmente. Aí, então varie, arrisque. Mas só depois de ter treinado a original.
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Posso mudar? | Luiz Américo Camargo
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