A arte envolve muita coisa para mim: música, dança, instalações, grafite e sim, gastronomia também! Poisarte contempla uma interação. Através dos sentidos chega aos nossos sentimentos. A aplicação "tal chef é um artista" pode ter sido um pouco vulgarizada nos últimos tempos, mas no Laguiole eu encontrei a alma de um artista. Delicadeza contrastando com propostas ousadas. A unidade entre trabalho e sentimento em um almoço cheio de surpresas.
O restaurante fica no Flamengo dentro do MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio. Logo na entrada já vemos a logo do Laguiole que indica o elevador para acessar o local. Ao sair do elevador um bar e um grande sofá nos recepcionam.
O salão é imenso, discreto e elegante. O toque moderno vem da iluminação no teto, quadros na parede e objetos no salão. O público pareceu, em grande maioria, executivos importantes em negociações sérias. Mas sempre há espaço para apreciadores de boa comida! E quem disse que experiências inspiradoras só acontecem a noite e /ou fins de semana? O restaurante funciona somente nos almoços de Segunda à Sexta-feira. E sendo uma Quarta-feira especial, optamos pela degustação. Estava ansiosa! Há tempos venho acompanhando o trabalho do chef Elia Schramm.
Pedimos o menu degustação. O chef suíço, criado no Brasil e com passagens em restaurantes franceses e ingleses veio e se apresentou à mesa. Nos explicou que a degustação contempla pratos do cardápio e eventualmente surpresas que ele julgar interessante de acordo com o que há de melhor na casa. Delicados pãezinhos artesanais e manteiga e flor de sal foram colocados à mesa.
O primeiro deleite foi o “falso atum” - um sashimi de melancia em infusão de gengibre, capim-limão e alga finalizado com bolinhas de caviar, quinoa crocante e brotinhos de coentro. Cada mordida na fruta explodia os sabores e parecia uma provocação divertida com a nossa mente. Ao invés do doce, o levemente salgadinho e refrescante preparou o paladar para o que estava por vir.
O chef Elia foi à mesa a cada etapa. Nos explicou cada prato e ficou claro que ele trouxe de sua trajetória internacional todas as técnicas e inspirações para usá-las a seu favor. O Cruditées Burle Marx foi uma homenagem aos jardins de Burle Marx do MAM e um tributo ao famoso Gargouillou do Michel Bras. Mini-legumes orgânicos, aioli de castanhas cruas, pó de funghi secchi e basílico fresco. Depois deste prato entendi o porquê do frisson sobre o prato do Bras. Um carnaval de texturas, perfumes, sabores... doce, azedinho, amanteigado, salgado, defumado, herbal, floral...
Em seguida foi a vez do namorado com sabor destacado pela cura em alga nori com o a acidez do vinagrete de maçã-verde, wassabi e o contraste das uvas frescas. Foi aqui que me apaixonei de vez por raw food.
O chef voltou a mesa com mais uma obra, as vieiras grelhadas unilateralmente, saladinha de algas, pickles de mini-legumes e emulsão de missô. O docinho da vieira combinado com missô e algas cantaram juntas um único tom.
Ele nos explicou as técnicas utilizadas e fiquei impressionada com os processos necessários que uma daquelas "telas" passam até serem apreciadas. O mil-folhas de língua defumada e foie gras com salada de vagens francesas e vinagrete de framboesa leva 4 dias para ficar pronto! Mais de metade da semana para conquistar esse sabor delirante, delicado e untuoso. Camarada, vale cada hora de espera.
A "sopa de ostras" foi um evento a parte. O pequeno molusco coroado com caviar em volta de mini-cubinhos de palmito parecia tão solitária dentro daquele imenso prato fundo...
Até que Elia "afogou" a bichinha em veloutê de palmito pupunha e ostras. Ele disse que foi a sua homenagem ao clássico oysters & pearls do chef americano Thomas Keller. O pupunha, como nossa pérola brasileira. Amei! O sabor da ostra foi destacado e praticamente eternizado nesse prato.
Foi a vez, então, de um dos pratos mais famosos do Laguiole, o “Ovo 5.9”, uma releitura do carbonara. Um ovo mollet todo fofo, gelatinoso e vulnerável, crosta de pão com manteiga sob a paglia et fieno (massa de clara com espinafre) em carbonara trufada.
Fechamos o curso de salgados com mais um exemplo da delicadeza de apresentação e profundidade técnica do chef, mas o entrecôte black angus com batata Anna e molho bordelaise levou meus pensamentos aos fartos almoços de domingo na casa de vovó. A carne ao ponto perfeito escoltadas por lâminas de batata edificadas e assadas para obter uma casquinha tão fina que parecia de papel. Novamente, o chef umedeceu o prato ali, na nossa frente. Dessa vez com um molho brilhante, liso, aveludado e com perfume de carne. Uma obra de sabores confortantes cheios de carinho.
Para fechar esse inebriante almoço, o Banoffee Carioca - banana caramelada, crème mousseline de caramelo com flor-de-sal, crumble de canela e sorvete de baunilha. Elia parece que conversou com cada um de seus ingredientes para saber como eles gostariam de ser apresentados. Quais de suas notas gostariam de ter destacadas e qual sua participação na pintura.
Como um verdadeiro artista, por trás de tantas técnicas e talento ele mostrou um ar curioso e travesso, que aparece com discrição em suas criações, e revelou sua musa: a pituca, sua filha. Você também pode visitar essa exposição de sabores composta por couvert, seleção de canapés, 4 etapas e sobremesa por R$ 240,00, no Laguiole.
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Laguiole: a arte comovente, criativa e delicada do MAM
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