
O homem por trás da engrenagem que movimenta a maior rede de televisão do Brasil, Amauri Soares, diretor-executivo da área de Afiliadas, dos Estúdios Globo e da TV Globo, fala com orgulho da trajetória construída pela emissora ao longo de suas seis décadas de existência. A efeméride será completada neste sábado (26).
Dos 60 anos da TV Globo, Soares esteve presente em cerca de 30. Jornalista de formação, ele iniciou sua caminhada na emissora como estagiário, ainda na década de 1980, até chegar a cargos decisivos.
Foi chefe de reportagem no jornalismo de São Paulo, editor-chefe do Jornal Nacional e diretor do canal TV Globo, entre outros postos. Em seu cargo atual desde 2023, Soares é quem responde pelas principais decisões estratégicas da emissora – das escolhas sobre o que será veiculado às definições a respeito do futuro do canal.
Em entrevista a Zero Hora, o diretor-executivo revisita a linha do tempo da emissora e projeta o que as próximas décadas reservam ao "plim-plim".
Soares aborda, ainda, os bastidores da programação alusiva aos 60 anos, os desafios que acompanham a ascensão das plataformas de streaming e o papel da emissora frente à divisão ideológica que toma conta do país desde meados de 2018.
Leia a entrevista com Amauri Soares
A TV Globo chega aos 60 anos consolidada como a maior emissora de televisão do Brasil, também uma das maiores do mundo. No seu entendimento, o que levou a Globo a se tornar essa potência? Qual é o elemento X?
A determinação de andar sempre com a sociedade. A Globo é uma TV do Brasil para o Brasil. São 14 mil pessoas da TV Globo, mais 10 mil pessoas nas afiliadas, que saem de casa todos os dias para fazer uma televisão brasileira. Andar com a sociedade significa estar sempre aberta ao diálogo, propor temas para debate, abrir espaço para todos, valorizar o regional.
Veja o exemplo do Rio Grande do Sul. A RBS TV é a Globo dos gaúchos. Uma das primeiras afiliadas da Globo, hoje com 12 emissoras em todo o Estado. Cada uma produzindo conteúdo regional, olhando de perto a realidade e contribuindo com a comunidade. Este conhecimento local, estas raízes profundas em cada região do país, como as que a RBS tem no Sul, formam o maior diferencial estratégico da Globo.
A celebração dos 60 anos contará com uma programação especial de 60 horas. Como foi o processo de planejamento?
Começamos a planejar esta celebração um ano e meio antes. Desde o início, algo ficou muito claro para nós: queríamos honrar nosso passado e celebrar as histórias e as pessoas que nos trouxeram até aqui. Além de apontar para o futuro, mostrar a nova Globo que começa a nascer, com a chegada da TV 3.0.
A partir da programação de 60 anos, que mensagem essa Globo deixará aos espectadores?
Que muita coisa mudou na televisão e no país, que o futuro começa agora, mas que o compromisso da Globo com o Brasil não mudou e não mudará. Somos contadores de histórias brasileiras. Somos 120 emissoras de televisão que conhecem profundamente suas regiões e suas comunidades. Esta é a base para construir os próximos 60 anos de Globo.
Como a emissora tem se adaptado às novas demandas do público e à evolução das plataformas digitais, especialmente em um cenário tão competitivo com o streaming?
Fazendo o dever de casa. Somos 100% digitais. Estamos na TV da sala, mas também no celular, nos computadores, nas distribuidoras de TV paga e nas distribuidoras de banda larga. A Globo está com as pessoas onde elas estiverem e quando elas quiserem.
Isso também inclui a implementação da TV 3.0? Como essa tecnologia vai impactar a produção dos conteúdos e a experiência do espectador?
TV 3.0 é a televisão que todos conhecemos, mas com a possibilidade da customização. Cada pessoa poderá acrescentar informações e recursos que fazem sentido para ela. Na hora do telejornal, por exemplo, a pessoa poderá ter mais informações da sua cidade ou a previsão do tempo local. Na hora do jogo, poderá ouvir só a torcida do seu time.
Imagine assistir à novela em um grupo com familiares e amigos, podendo trocar impressões e comentários enquanto o capítulo está no ar. A TV 3.0 viabiliza todas essas possibilidades.
Em meio a esse cenário de inovações tecnológicas, mudanças nos padrões de consumo audiovisual e concorrência com o streaming, qual é o papel da TV aberta?
Ser uma praça pública onde todos são bem-vindos e todo assunto pode ser debatido. Nesse sentido, nós somos "antialgorítmicos": queremos surpreender, propor temas, abrir janelas, incentivar a discussão saudável de ideias e enriquecer a pauta.
Em vez de recortar a realidade de forma cada vez mais restritiva, queremos ajudar a ampliar o horizonte. Viver em comunidade é isso, e nós nos vemos como parte da comunidade.
Quem é o espectador da TV Globo?
Todo mundo. Falamos com todas as faixas etárias, todas as classes sociais, em todo o país. Este é o DNA da televisão aberta e da Globo: buscar sempre falar com o conjunto da sociedade. Nossos conteúdos são o ponto de partida. A partir deles, o país debate temas e comportamentos e nós formamos esse grande laço social com o público.
A TV Globo é a maior referência na produção de novelas no país, mas é inegável que a entrada das plataformas de streaming nesse formato tem sido bem-sucedida. Como a emissora observa esse cenário?
A estrutura da Globo para a produção de novelas não tem paralelo no país e no mundo. A chegada de novos criadores garante que esta estrutura seguirá produzindo grandes telenovelas brasileiras.
A procura do formato por todos os streamings e redes de TV mostra que a telenovela permanece como o gênero brasileiro mais relevante do audiovisual.
Em um momento em que as produções mais curtas estão conquistando a audiência, é cogitado fazer folhetins com menos capítulos, por exemplo?
Cada plataforma busca o formato que faz mais sentido para a sua essência e o seu público. Na TV aberta, não temos nenhum indicativo de que o número de capítulos deveria ser revisto. Pelo contrário, as boas tramas são capazes de manter o alto engajamento ao longo de toda a exibição de uma novela tradicional, de mais de 170 capítulos.
A última novela das nove, Mania de Você, teve baixos números de audiência em praças importantes. Já foi possível compreender o que aconteceu e tirar lições dessa experiência?
Estamos sempre aprendendo. Esta é uma verdade inescapável da televisão. Mania de Você nos deu muita coisa boa: altos índices de audiência em muitas cidades, a melhor atuação da carreira de Chay Suede, uma grande atuação de Agatha Moreira. Mas é verdade que em outras cidades a performance foi abaixo do que esperávamos, como em São Paulo, por exemplo. Os aprendizados já estão a serviço das próximas criações.
Vale Tudo, uma das grandes apostas da emissora neste ano, tem uma forte crítica social. Como a reinterpretação dessa obra pode refletir os dilemas atuais da sociedade brasileira?
Uma condição básica para avaliar o remake de uma novela é se o tema continua atual na sociedade de hoje. A discussão proposta em Vale Tudo, sobre ética, é muito atual. Vale tudo para vencer na vida? Quais os limites? O grande mérito da dupla de criadores desta nova versão, Manuela Dias e Paulo Silvestrini, foi preservar as intenções da obra original num contexto todo novo, do Brasil de hoje. A reação do público tem sido a melhor possível.
Os remakes vão continuar sendo uma aposta da emissora?
Apenas quando há uma ideia que faça sentido. Remake não é um gênero em si. Temos muitos projetos de novelas inéditas, novas ideias, sinopses inovadoras.
A Globo é frequentemente citada nos debates ideológicos. Para a esquerda, a emissora é de direita. Para a direita, a Globo é de esquerda. Diante dessa divisão ideológica que se acirrou no país, em que lugar está a Globo?
No lugar da maior produtora de jornalismo profissional do país. O jornalismo profissional é alvo dos ataques de pequenos grupos mais polarizados, mais extremados, assim como a própria democracia e as suas instituições são alvos. Esses ataques acontecem de forma organizada nas redes sociais, mas não representam o sentimento do conjunto da sociedade.
Pelo contrário: vemos a sociedade buscando cada vez mais o jornalismo profissional de qualidade para entender o que é fato e o que é fake. É um fenômeno novo, mas que não acontece só no Brasil. Estamos vendo isso acontecer no mundo todo e sabemos qual o nosso caminho: seguir investindo em jornalismo profissional isento e na construção de relações de respeito e afeto.
O que podemos esperar da TV Globo nos próximos anos?
Seguir sendo a televisão que busca surpreender, propor novos temas, contar novas histórias. Sempre a partir do Brasil como inspiração. E com a melhor qualidade possível, como tem sido desde 1965. Tudo isso, é bom sempre lembrar, numa oferta gratuita. A TV aberta é gratuita, monetizada pela publicidade e acessível a todos. A gratuidade da TV aberta é a base da sua essência.
E qual será o desafio?
O maior deles é andar com a sociedade. Representar a complexa e diversa sociedade brasileira na tela de maneira rica, positiva e inspiradora.