"Nem mármore, nem áureos monumentos/ de reis hão de durar mais que esta rima/ E sempre hás de brilhar nestes acentos/ Do que na pedra, pois o tempo a lima", já profetizava William Shakespeare sobre o poder das artes em eternizar até o mais efêmero dos romances. E, mais de quatro séculos após o soneto do poeta inglês, artistas por todo o mundo seguem se inspirando em amores reais ao compor discos, livros e filmes.
Neste Dia dos Namorados, comemorado na quarta-feira (12), GaúchaZH relembra alguns dos casos mais famosos em que a arte imitou a vida. Das letras de músicas pop até sucessos do cinema e da literatura, confira algumas das histórias de amor que se transformaram em obras artísticas.
Johnny & June
Mais do que a biografia do pioneiro do rock’n’roll e ícone do country Johnny Cash, o longa-metragem de James Mangold mostra a história de amor entre o cantor e June Carter, sua parceira artística e afetiva por 35 anos — os dois ficaram juntos até a morte dela em maio de 2003, poucos meses antes do marido. Estrelado por Joaquin Phoenix e Reese Whiterspoon, que conquistou o Oscar de melhor atriz, em 2006, por sua atuação como June.
Diário de Uma Paixão
Em plena década de 1940, o operário Noah Calhoun, interpretado por Ryan Gosling, e a rica Allie, nas telas Rachel McAdams, vivem uma relação turbulenta que parece chegar ao fim quando o ele é recrutado como soldado na Segunda Guerra Mundial. Quando o rapaz finalmente retorna do conflito, ela já seguiu em frente, mas Noah decide lutar para ficar ao seu lado. Baseado no livro de Nicholas Sparks, ele revelou após o lançamento que a história é inspirada na vida dos avós de sua esposa — que ficaram casados por mais de 60 anos.
No Doubt — Don't Speak
"You and me/ We used to be together/ Everyday together always/ I really feel/ That I'm losing my best friend/ I can't believe/ This could be the end" (em tradução livre: "Você e eu/ Nós costumávamos estar juntos/ Todo dia juntos, sempre/ Eu realmente sinto/ Que estou perdendo o meu melhor amigo/ Eu não posso acreditar que esse poderia ser o fim"), lamenta a vocalista Gwen Stefani em Don't Speak. Faixa lançada no disco Tragic Kingdom, de 1995, até hoje é um dos maiores sucessos da banda No Doubt. Balada grudenta e com letra de fácil assimilação, também é uma canções das mais pedidas em karaokê quando o nível alcoólico sobe e a saudade aperta. Escrita por Gwen, a música fala sobre o fim do relacionamento da vocalista com o baixista da banda, Tony Kanal. Mesmo que tenha sido um final doloroso, como descreve a canção, os dois levaram o término do namoro com muito profissionalismo, afinal, a banda só decolou a partir dali. Perderam o amor, mas eternizaram um hit.
Sophie Calle - Cuide de Você
Outra história de ruptura amorosa transformada em uma obra de sucesso. Em 2004, a artista francesa Sophie Calle recebeu um e-mail de seu então namorado, o escritor Grégoire Bouillier, terminando o relacionamento por meio de um e-mail, finalizando o texto com a mensagem "cuide de você". Para analisar a carta de rompimento, Sophie convidou mais de 100 mulheres de diferentes áreas: jornalista, linguista, advogada, atriz, cantora, palhaça, cartomante, DJ, cartunista, entre outras. As reações à carta foram organizadas pela artista através de textos, vídeos e fotografias, que fazem parte da instalação chamada Cuide de Você. Nos painéis estão gráficos, frases e palavras em destaque, cartas de tarô, que exploram o tema. Por exemplo, uma dançarina interpreta a carta em vídeo com uma performance.
Pattie Boyd, musa de George Harrison e Eric Clapton
Modelo muito requisitada nos anos 1960, a britânica Pattie Boyd conheceu o beatle George Harrison durante a gravação do clipe A Hard Day's Night, em que fez uma ponta. Eles se casaram em 1966 e Pattie presenciou muito da rotina dos Beatles, principalmente a mudança dos fab four para um comportamento mais psicodélico. Ela inspirou o clássico Something (1969), uma das músicas mais românticas e populares do grupo, composta e cantada por Harrison. No entanto, o temperamento impassível e distante do músico, o mais envolvido com a filosofia indiana que inspirou a banda a partir do Álbum Branco (1968), acabou causando um cisma entre o casal. É aí que entra Eric Clapton.
Apesar dos altos e baixos emocionais, o guitarrista despontava na música como um dos mais promissores do rock. Despertou a atenção de Harrison, dando início a uma respeitável amizade profissional. O ex-integrante do Cream acabou se apaixonando pela esposa de seu amigo e não mascou o interesse: declarou seu amor por ela. No disco Layla and Other Asssorted Love Songs (1970), ele canta: "I tried to give you consolation/ When your old man had let you down/ Like a fool, I fell in love with you/ Turned my whole world upside down" (em tradução livre: "Eu tentei te dar consolo/ Quando seu velho te decepcionou/ Como um idiota, eu me apaixonei por você/ Transformei meu mundo inteiro de cabeça pra baixo"). Eles se casaram somente em 1979. Anos depois, Pattie falou a respeito do que sentiu pelos dois músicos.
— O que eu havia sentido por George foi um grande e profundo amor. O que Eric e eu tínhamos era uma paixão poderosa e intoxicante.
Ramones - The KKK Took My Baby Away
Elegendo o rock bubblegum como uma de suas principais influências, era óbvio que os Ramones teriam muitas canções com o amor reinando como temática principal. Entre elas está The KKK Took My Baby Away, que apesar de carregar no título uma alusão à violenta Ku Klux Klan, organização racista secreta que atuou muito fortemente nos Estados Unidos a partir do final do século 19, trata mesmo da separação de um jovem e apaixonado casal. Há uma espécie de folclore entre alguns fãs da banda defendendo que o refrão "a KKK levou minha garota embora" teria relação com Linda Marie Daniele, com quem Joey namorou, mas que depois tornou-se esposa do colega de banda Johnny Ramone. Alguns posicionamentos considerados mais de direita encabeçados pelo guitarrista iam totalmente na contramão da ideologia liberal de Joey, o que abriu um abismo entre eles e poderia ter gerado a comparação exagerada com a KKK na letra escrita pelo vocalista. Porém, no livro Eu Dormi com Joey Ramone (2013), o irmão de Joey, Mickey Leigh, esclarece que a composição foi na verdade inspirada por uma namorada mais antiga do vocalista.
Quando tinha 20 anos, Joey caiu de amores por Wilna, uma garota negra do Brooklyn. Nesta época, o jovem apaixonado decidiu fazer um permanente afro no cabelo, por exemplo, atitude que não serviu para convencer os pais da garota a aceitarem o relacionamento dela com um judeu hippie (que seria um dos inventores do punk pouco tempo depois). "Wilna disse que seus pais não iriam aceitar que ela saísse com um branco ou que houvesse uma mistura de raças em geral. Jeff (nome verdadeiro de Joey) brincava que eles deveriam ser da KKK ou algo assim", descreve o livro. De fato, foram os pais de Wilna que a levaram embora para sempre depois que a mãe de Joey e Mickey ligou para eles reclamando que a garota estava atacando o armário de bebidas dela. Uma década depois, a história ficou imortalizada nesse clássico do punk rock gravado no álbum Pleasant Dreams (1981).
Sophia Coppola e Spike Jonze
Os cineastas Sophia Coppola e Spike Jonze levaram a outro nível aquela afirmação meio brega: "a nossa história daria um filme". Os dois foram casados durante quatro anos e há uma teoria que defende uma conexão superpessoal entre os longas Encontros e Desencontros, dirigido por Sophia em 2003; e Ela, lançado por Jonze 10 anos depois. Ambas as produções contam com Scarlett Johansson no elenco, possuem várias construções de cena parecidas e renderam Oscar de roteiro original a seus realizadores. Mas a proximidade entre elas vai além, já que as duas abordam olhares sobre o término de um relacionamento.
O casamento de Sophia e Jonze acabou justamente no ano de lançamento de Encontros e Desencontros, cujo roteiro coloca a protagonista feminina no papel de uma esposa que se distancia cada vez mais do marido, um fotógrafo cool e popular (vale lembrar que Jonze iniciou a carreira como fotógrafo). Já em Ela, Jonze revela o ponto de vista de um homem que tenta se conectar consigo mesmo após um término de casamento não desejado. O filme dele culmina com uma carta do protagonista masculino para a ex, analisando acertos e erros do relacionamento – texto que poderia muito bem conter o remetente Jonze e o destinatário Coppola.