A série Clássica voltou no mês passado comEstranhos no paraíso (1984).
Mas o longa-metragem de Jim Jarmusch só encontrou acolhida em Porto Alegre na Cinemateca Paulo Amorim, onde foi projetado a partir de uma matriz em Blu-ray. Agora, com Blow-up, depois daquele beijo (1966), o projeto que apresenta cópias restauradas e digitalizadas de grandes filmes do século 20 se espraiou até o Espaço Itaú e o Guion Center. Chance para ver, na alta definição do DCP (o melhor substituto digital do 35mm), este retrato histórico da chamada Swinging London, que deu ao cineasta italiano Michelangelo Antonioni (1912 – 2007) a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Consagrado com a Trilogia da Incomunicabilidade (1960-62) e O deserto vermelho (1964), Antonioni saiu da Itália para fazer seu primeiro filme em língua inglesa a partir do conto As barbas do diabo, do argentino Julio Cortázar. Blow-up, que também tem a primeira trilha sonora de Herbie Hancock para o cinema (e uma sequência marcante de um show que foi planejado para ser do Velvet Underground, mas acabou sendo dos Yardbirds), é uma adaptação livre, bem livre da obra do mestre da narrativa curta. Deve ser fruído como uma peça jazzística do grande pianista: tem a trama composta por movimentos cadenciados, mas que não segue a tradição dos roteiros assentados sobre
curvas dramáticas tradicionais, apresentando, mais do que uma história
usual com início, meio e fim, uma série de sequências que em conjunto conformam o painel sensorial de uma era.
O protagonista é um fotógrafo de moda consagrado (David Hemmings) que vive entre belas modelos mas que só consegue se emocionar – encontrar sentido para a própria existência, em outros termos – ao enveredar-se em um mistério envolvendo um assassinato. Essa história dentro da história (do painel, na verdade) só aparece de fato lá pela metade do filme, quando ele fotografa um casal em um parque e percebe que, ao fundo, entre os arbustos, há um homem armado. A insistência da mulher registrada nas imagens (Vanessa Redgrave) em confiscar os negativos ajuda a turbinar a porção suspense de Blow-up, porém, uma das grandes sacadas de Antonioni é justamente a "puxada de tapete" no espectador: quando este finalmente sente que pode estar diante de uma obra narrativa clássica, será surpreendido com um desfecho não exatamente em aberto, mas que contém menos respostas objetivas do que fora sugerido.
O que interessa ao grande diretor é escancarar o vazio existencial da juventude hedonista deslumbrada com os apelos do mundo pós-revoluções de costumes dos anos 1960. O entretenimento fugaz, no fim das contas, parece ressaltar Antonioni, serve apenas para evidenciar esse vazio.
Essa impressão que fica ao final da sessão é potencializada pelo trabalho visual do fotógrafo Carlo Di Palma e do diretor de arte Assheton Gorton, que apostam em linhas retas, cores fortes e no fetiche por alguns objetos e bens materiais, escancarando a superficialidade daquelas relações. O curioso é Antonioni ter se debruçado sobre essa geração mais jovem do que ele (tinha 54 anos à época) depois de títulos como o da citada trilogia que problematizou a chamada "crise do casal" – um tema, por assim dizer, mais maduro.
O pop Blow-up, de todo modo, é mais um de seus imperdíveis ensaios existencialistas sobre homem e seu tempo.
BLOW-UP, DEPOIS DAQUELE BEIJO
Em Porto Alegre, o clássico de Antonioni está em cartaz no Espaço Itaú 2
(às 19h), no Guion Center 3 (17h40min) e na Sala Paulo Amorim da Casa
de Cultura Mario Quintana (15h e 19h) – horários da semana entre
8 e 14 de dezembro.