Ando estranhando esse povo à esquerda. Não os reconheço, tanto estão mergulhados em ódio e bile. Não são a esquerda que eu conheci, da época em que nosso inimigo era o regime de exceção e, em torno dele, bem definidas, orbitavam uma esquerda e uma direita.
Sempre achei que esquerda a valer era a nossa, no tempo do Colégio Israelita. O Serginho tinha pintado um Professor Pardal na parede do grêmio estudantil, e a gente ali se reunia para fazer jornal de mimeógrafo e xerox. Esquerda sincera, de escol, com desejo de que todos fossem tratados com justiça e dignidade - quando a gente tem 16 anos, acha que é possível.
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Quem agitava o grêmio era mesmo a Miriam, cujos pais, a Esther e o Sérgio, eram de esquerda - tanto era que tinham acabado de chegar de uma temporada de estudos na França. Eram esquerda-esquerda, tipo socialismo, comunismo e Partidão, a casa sempre cheia de padres, professores, artesãos, gente que fazia crochê ou cozinhava, todos cobiçados pelo DOPS.
Nós sabíamos que havia guerrilha, assalto e sequestro, mas nos tranquilizávamos pensando em dialética. Nossa revolução era outra: escutávamos Chico, Quinteto Violado e Mercedes Sosa, escrevíamos, montávamos peças de teatro, organizávamos festivais de música - e evitávamos tudo que cheirasse a arbítrio ou censura. Burguesia, multinacionais, FMI, tudo era novidade, e nossa noção de justiça ia se moldando na base de descobertas muitas vezes subterrâneas.
Fui para um kibutz em Israel e constatei que ser proletário dá um trabalho danado. Depois, o tempo correu rápido: anistia, eleições diretas. Quando finalmente Lula foi eleito, senti um baita orgulho. Que foi murchando pela desconsideração do PT com Israel, a aliança com nações nem tão legais assim e a reprodução escrachada de tudo com que haviam prometido acabar.
Vi a esquerda que éramos ser substituída por uma gente feroz, que quer sair na porrada com o pessoal de direita - que também quer sair no braço. Não reconheço essa esquerda: nada mais reacionário do que o ódio e nada pior do que ironia sem graça. Onde é que colocaram a esquerda de verdade?
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