Seu Lucídio Gutierres andava estropiado pelas dívidas. Fugia pela porta dos fundos quando pressentia o pealo dos credores. Mui resoluto, o campejano ganhou estrada. Saiu cortando ventos nos rumos do pantanal. A mulher, filhos e cuscos emparelharam carreira. Roçando matos, em poucos tempos estava com a guaiaca estufada. Foi comprando campo até os aramados se ajoelharem no horizonte. Quando sentia saudades da querência, contava as estrelas com a ponta do facão. Dois lustros passados, Seu Lucídio estava tão rico que, para pronunciar seu nome, o homerio tirava o chapéu.
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O paisano tinha espessos débitos com Dona Verdacina, sua esposa e companheira.
- Que as bodas de ouro do casal sejam uma festança brasileira dos quatro costados - deu tenência o rico fazendeiro.
Com três alardes de berrante, estavam convidados seringueiros, jangadeiros, boiadeiros, passistas de escola de samba e manezinhos da ilha. E, é claro, o gaúcho de fina estampa, Seu Desidério Evanézio. O homem veio pilchado da alma às boleadeiras. Lá pelas tantas, nos meados da festança, com a alma tangadita, o anfitrião deu o grito de destemperança:
- Dou esta casa a quem atravessar minha piscina povoada de crocodilos.
E avançou:
- Vai também a Mercedes conversível e mais quinhentos mil contos de reis.
Logo se ouviu um timbum dentro dágua. Era Seu Desidério dando bofetada nos crocodilos.
De pronto, o taura saiu da piscina para o aplauso dos fuzarqueiros. Tirando um caneco dágua de dentro do chapéu, o herói se recompunha.
- Que se cumpram as promessas! Aqui está a chave da mansão - disse Seu Lucídio.
- Não faz precisão - replicou seu Desidério. - Tenho minha casita na coxilha.
- E o carro, meu paisano? - avançou o anfitrião.
- Tenho minha eguita baia que nunca me negou estribo - devolveu Seu Desidério.
- Mas e o dinheiro? - gritou aflito o dono da casa.
- Tenho meus pilas molhados na guaiaca e chegam para o meu sustento - foi o que ouviu em troca.
- Afinal de contas, o que queres, índio guapo dos pampas? - disse desesperado o dono do rincão.
- A bem da verdade, quero saber quem foi o filho duma percanta que me atirou dentro dágua? Que saia do poncho da sombra e venha pra luz da valentia... É só o que eu quero desta vida, Seu Lucídio! - retrucou Seu Desidério.
Pampianas
Luiz Coronel: no pantanal
O colunista escreve mensalmente no 2º Caderno
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