Amanhã farei 40 anos. Durante meses, tentei encenar (com relativo sucesso para os íntimos) o drama barroco da meia-idade, ora luz, ora sombra, arrependimentos, manobras retóricas, um tortuoso monólogo sobre a brevidade da vida, mas, à chegada da data, pareceu-me deveras tolo lamuriar-me por um sofrimento de calendário. Eu chegara a compor uma crônica à maneira de um balanço existencial, que o pudor, por sorte, imperiosamente deletou. Não era mais que a enumeração de algumas derrotas, para valorizar o que aprendi, o que, se não era vaidoso, possuía grosseiros contornos de autoajuda. Não parecem falsas as histórias de superação? E que grandes dificuldades enfrentei, senão aquelas reservadas a meus semelhantes, em maior ou menor grau?
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Em um de meus poemas de A Última Temporada, de 2011, eu disse: "Nenhuma certeza subsiste/ nunca fica mais fácil/ nada se aprende/ da estrada percorrida".
Passado o tempo, se algum valor têm esses versos, é o de me parecerem agora mais precisos do que então. Mais do que aquilo que aprendemos com o avanço dos dias, está o que não aprendemos, quer tenhamos tido ou não a oportunidade de fazê-lo. Ao limiar dos meus 40 anos, penso em celebrar o que não aprendi, entre despedidas e possibilidades. Talvez seja tarde, talvez cedo para isso. Quando dizem mesmo que a vida começa?
Não aprendi a ficar invisível, seguindo as táticas de um velho livro comprado na adolescência. Não aprendi polonês para ler Wislawa Szymborska no original. Não aprendi kung fu, não fui um daqueles animais exóticos cujos golpes mortais jamais podem ser aplicados. Não aprendi as danças de salão, sufocando um Gene Kelly dentro de minhas formas robustas. Não aprendi a ter um filho, egoísta que sou das manhãs dominicais. Não aprendi a pedir perdão, embora saiba perdoar. Não aprendi a soldar, a emagrecer, a tragar, a competir, a esperar.
Não aprendi a amar sem objeto, o amor universal de que falam os Evangelhos. Para mim o amor é sempre como um livro novo, particular, que só se aprende a ler durante a leitura, em que os erros são desvios, aleias aos inesperados acertos. O amor é esse livro que prolongamos para não lhe apreender o final.
Como a vida.
Coluna
Pedro Gonzaga: o que não aprendi
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
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