Se o caminho até a fama no universo pop é cercado de mistérios e segredos, na música clássica é ainda mais. Neste, tudo é feito para que os critérios de mérito sejam puramente técnicos, mas, como se sabe, a arte não é uma ciência exata. Aqui também há vaidade, badalação e muita fofoca - ainda mais na Europa e nos Estados Unidos, onde estão as grandes estrelas. A emergência de uma figura de alcance popular além do microcosmo da música de concerto costuma dividir opiniões: enquanto alguns se deixam seduzir, outros fincam um pé atrás. É o efeito do que o crítico Alex Ross chamou de Yo-Yo Club, o grupo de artistas eruditos que viram celebridades e passam a ter sua seriedade artística questionada. Como o violoncelista Yo-Yo Ma. E como a soprano russa Anna Netrebko.
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Se você nunca ouviu falar de La Bellissima, como Netrebko é conhecida pelos fãs, sugiro começar pela sua cativante interpretação de Quando men vo, da ópera La Bohème, disponível no YouTube, em gravação de 2003. É uma versão da ária em forma de concerto, não encenada, mas Netrebko imprime tamanha expressividade que é preciso ter o coração gelado de um jurado de concurso para não se emocionar. Tem mais: a soprano pode ser vista em cena pelo público brasileiro como a Donna Anna da ópera Don Giovanni, de Mozart, no DVD duplo com regência de Daniel Baremboim, no La Scala de Milão, recém-lançado por aqui.
Há 13 anos frequentando as principais salas de concerto do mundo, ela tem sido apontada como a grande diva da ópera hoje, comparada com - mas não igualada a - Maria Callas. Há quem diga que a russa é superada por outras em apuro técnico, mas é provável que poucas saibam cantar e, ao mesmo tempo, atuar como ela. Seu desenvolvimento é notável: durante os anos, o amadurecimento de sua voz permitiu a interpretação de papéis com maior carga dramática.
Com tudo isso, veio o outro lado da fama: uma reportagem no The New York Times tratou da decoração de seu apartamento na Big Apple. Outra matéria no Wall Street Journal citou, de passagem, seus óculos escuros Prada. Mas é parte do jogo. No final das contas, Netrebko é a prova de que a música precisa de fantasia e que a vida, assim como a ópera, ficaria mais chata sem um pouco de luz.
Diva da ópera
Netrebko, La Bellissima
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
Fábio Prikladnicki
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