Neste domingo, 21 de junho, nosso Luiz Antonio de Assis Brasil completou 70 anos de idade, 49 dos quais como professor na PUC e 30 dedicados à oficina de criação literária. Festejo o Assis por tudo o que fez por meus colegas de oficina e por mim. Ele me empurrou para dentro da carreira da literatura e me manteve por perto, orientando meu mestrado.
Lembro que, na PUC, a gente se sentava depois do almoço para descansar. O Assis me lia trechos de livros ou me mostrava antigas fotografias ou algum mapa celeste _ até então eu nunca havia conhecido nenhuma pessoa que tinha um telescópio em casa. No mais das vezes, ficávamos mesmo era olhando o Morro Santana e os lados de Viamão, os dois em silêncio, assombrados com a mesma recorrente constatação, a de que as coisas não precisavam da gente para existir. Para o Assis e para mim, isso sempre pareceu uma grande falta de consideração.
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Foi num desses dias que o Assis alisou com as duas mãos o tampo da escrivaninha, fechou os olhos de leve e começou a recitar uma caminhada por Lisboa. Acho que se iniciava na Baixa e recebia de cheio o aroma de pães que se assavam e também uns vapores de baunilha de mistura a canela, decerto de pastéis de nata que se tiravam do forno. Pela Rua Augusta, na direção do Terreiro do Paço, ele ia me declinando o nome das casas de comércio, ali um armarinho, lá camisas a bom preço, uma farmácia, um armazém com fiambres expostos no balcão. Logo adiante, o Arco Triunfal dava passagem ao Paço e, na esplanada batida pelo sol, éramos recebidos por aquela lufada fresca do Tejo. Ali ao lado, coavam café no Martinho da Arcada, e esse era o cheiro aquecido que sentíamos e que nos levou a uma bica antes de retomar o caminho.
Não me lembro como, mas logo estávamos na Alfama e era um olorzito de cebolas e alhos machucados pelo azeite e o perfume de algum bacalhau a cozinhar _ e tudo isso junto ao cheiro limpo de sabão das roupas estendidas nos arames nas janelas. Num pátio, alguém preparava sardinhas sobre brasas.
Nosso passeio, no entanto, foi cruelmente interrompido pelo relógio e nos apressamos para as aulas. Mas eu já levava para sempre o fascínio das sensações. Sei lá, mas foi naquela hora, em algum corredor da PUC, que eu entendi que a literatura me dava um futuro e, mais do que tudo, um mestre para toda a vida. A joy forever.