Encontrei na virada do ano um velhinho que caminhava solitário às margens plácidas do lago/rio/estuário das nossas dúvidas alegreportenses. Era noite já, e cheguei mesmo a pensar que aquela aparição de barbas compridas fosse o próprio homem do calendário, batendo em retirada lá para os lados da Ponta Grossa. Resolvi entrevistá-lo:
- Boa noite! Feliz ano velho! - disse, para chamar-lhe a atenção.
- Feliz? - murmurou, sem levantar a cabeça.
Parei na sua frente e tentei animá-lo.
- Se não foi feliz, também não foi totalmente infeliz. Afinal, estamos vivos. O que aconteceu com você?
- Tropecei na bola... - me disse, com sete rugas de preocupação.
- Ora, isso acontece com os melhores campeões - argumentei sem muita convicção.
- Mas não foi só isso - ele acrescentou.
- O que mais? - ousei perguntar.
- Sujei as mãos de petróleo - confessou, aparentemente envergonhado.
Era só lavá-las, pensei, sem captar o sentido figurado do verbo. Como se lesse meus pensamentos, ele acrescentou, ainda na linguagem das metáforas.
- Faltou água. E por culpa minha.
Captei a mensagem e tentei consolá-lo:
- Erro de santo. São Pedro é que controla a torneira - tentei brincar.
Sem achar graça do trocadilho, ele continuou:
- Também não consegui controlar a filharada, que brigou como gato e cachorro para mandar na casa.
Agora, já ciente de seu gosto pelas analogias, percebi que falava das eleições. Procurei mudar de assunto:
- Mas o ano terminou bem, um brasileiro caminhou sobre as águas do mar no Havaí...
- E muitos outros ficaram retidos nas estradas engarrafadas - atalhou ele.
Seu baixo-astral era contagiante. Resolvi, então, encerrar a entrevista, mas antes quis saber a sua identidade. Comecei pela idade:
- Quantos anos tem o amigo?
- Vou fazer 515 no próximo abril - afirmou com convicção.
Só então percebi com quem estava falando. Já um pouco agastado, tratei de me despedir:
- Passe bem, senhor Brasil!
E saí rezando para que o meu primeiro desejo de Ano-Novo se realize.