A gente nem bem se recuperou da lentilha do Réveillon e começam as más notícias: atentado contra o Charlie Hebdo, carnificina do Boko Haram, terrorismo na Bélgica - entre outras.
Mas uma notícia, que parece ser a mais inofensiva, me causou grande inquietação. Dos quase 6,2 milhões de candidatos que fizeram o Enem, 8,5% tiveram nota ZERO na redação.
É duro: mais de 500 mil alunos que concluem o Ensino Médio não conseguem escrever uma composiçãozinha na língua-mãe. Meio milhão de despreparados que ali adiante vão dar um jeito e ingressar na carreira universitária.
Caio Blinder, jornalista da GloboNews, lastimava o pouco caso com que os brasileiros trataram o atentado contra o Charlie Hebdo e a morna manifestação da presidente contra o terrorismo - aliás, bastante diferente do que fez ao condenar Israel pelas conflitos na Faixa de Gaza em julho. (Quanto às mortes na Nigéria, parece que a África fica em outro mundo.)
Os fatos de os brasileiros darem de ombros para um atentado terrorista que fere a liberdade de expressão e de chover zeros na redação do Enem têm íntima relação. Blinder está certo quando diz que nossa mentalidade é provinciana e que pensamos que não temos nada a ver com o que acontece "lá fora" - exceto quando se trata de algo tão espetacular quanto aviões explodindo contra as Torres Gêmeas.
Há total falta de indignação e de empatia com as vítimas, que vem menos da insensibilidade e mais da alienação. O desinteresse esvazia a capacidade de análise crítica das pessoas, que passam a emitir juízos de valor levianos e cínicos. O quadro do ensino e da pesquisa vai ainda piorar com terrorismo oficial representado pelo corte de verbas para a Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), entidades que deveriam ser as primeiras a ser chamadas para a construção da "pátria educadora" de que fala a presidente reeleita.
Não há muito o que fazer, eu lamento. Sugiro combater todos os terrorismos. Todos.
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