Escritor bem-sucedido de livros de viagens aventurosas e de reportagens históricas por cenários exóticos, Airton Ortiz não se afasta de seu tema de eleição quando envereda pela ficção.
Depois de sua estreia com uma narrativa sobre uma expedição ao Everest, Ortiz lançou seu segundo romance, Gringo, a jornada de um mochileiro pela América do Sul, misto peculiar de romance de formação e literatura de viagem.
O romance é a narrativa do amadurecimento de Victor, jovem brasileiro retratado como um exemplar típico da elite brasileira contemporânea: classe média alta, residente em Brasília, recém-formado, acaba de passar em um concurso público para o Senado - o que o enche de alegria por significar emprego estável pelo resto da vida. Informado da aprovação pela mãe, durante uma viagem que resolveu fazer para esquecer o fora que tomou de uma namorada, Victor decide estender um pouco sua jornada até o Paraguai - sua primeira viagem internacional. No Paraguai, encontra um mochileiro holandês que o convence a acompanhá-lo até a Bolívia, onde Victor se encanta primeiramente por uma viajante italiana e mais tarde por uma canadense, novos pretextos para novas viagens, que ele faz enquanto espera o desenlace do concurso público que prestou no Brasil, suspenso por uma liminar judicial.
Victor não é um personagem de quem se gosta facilmente no primeiro contato. Autocentrado, arrogante, acostumado aos privilégios que recebeu desde a infância, o rapaz não demora a entrar em choque com praticamente todas as etapas de sua jornada: o alojamento em albergues econômicos, longos deslocamentos a pé ou de ônibus, a necessidade de falar mais de um idioma além do português - embora tenha estudado inglês, ele prefere se acomodar na língua materna.
- O personagem entra em conflito com a estrada e vai abrindo a cabeça, vai aprendendo que não existem apenas visões de mundo parecidas com as dele. Ele encontra uma realidade que o desafia e, em um primeiro momento, a reação é de rejeição, mas como é um rapaz inteligente, embora acomodado, ele vai sendo transformado por suas experiências de viagem - comenta Ortiz.
A vida de Victor na estrada, como a dos viajantes em geral, é uma sucessão de encontros interessantes, convívios fugazes e despedidas que podem ou não ser permanentes. A estrutura do romance também acompanha essa indeterminação da viagem - a história é narrada por meio de capítulos curtos, cujo título remete à localização em que aquela cena específica ocorre. Personagens aparecem na trajetória de Victor e depois se despedem, ou a trama salta para lugares distantes em que decisões de terceiros podem ter consequências posteriores no caminho de Victor - em determinado momento da viagem, traído pela própria ingenuidade e pelo temperamento "brasileiro" que faz questão de manter, o jovem se envolve em um imbróglio criminal de perigosas repercussões, e mais não se dirá para não entregar a trama por completo.
- A fragmentação é característica da vida na estrada e da própria vida contemporânea, por isso eu escolhi contar essa história de modo que o leitor sentisse na estrutura do texto a experiência fragmentada da viagem do personagem, seus encontros e desencontros - diz Airton Ortiz.
Trecho:
- Que coisa!
- Não falei que era lindo?
(A paisagem surpreende Victor. Em certos lugares, o tapete de sal está coberto por uma lâmina de água, formada pelo degelo das montanhas ao redor. Por todos os lados, o cristal líquido reflete o límpido azul do céu do altiplano, longe da poluição, da poeira, das nuvens. O carro desliza, parece andar sobre um piso encerado.)
"Lindo mesmo. Mas dá medo. Se o jipe derrapa, é capaz de capotar."
(O motorista-guia-cozinheiro começa as explicações, quer uma gorjeta no fim da aventura. E, ele sabe, os gringos adoram suas histórias. Quase tudo verdade, só alguns toques especiais, para dar mais colorido à expedição.)