Em 1888, o dramaturgo sueco August Strindberg (1849 - 1912) publicou uma peça sobre o flerte de uma jovem aristocrata com o criado de seu pai, envolvendo conflito social, desejo de emancipação feminina e a ambivalência das relações humanas.
Clássico da dramaturgia, Senhorita Julia foi transposto para o Brasil atual na montagem carioca intitulada Julia, que será apresentada desta quinta-feira (6/9) a sábado, às 20h, no Teatro Renascença, em Porto Alegre.
Vencedora do Prêmio Shell do Rio de Janeiro de melhor direção pela peça, Christiane Jatahy afirma que sua abordagem privilegia a "questão social":
- É uma referência a muitas meninas ricas do país que têm blindagens para não ter contato com pessoas como o motorista que trabalha em sua casa. Existe uma relação de preconceito e atração entre dois mundos diferentes que convivem.
Sequência da pesquisa da diretora sobre a combinação de mídias, Julia conta com uma câmera em cena. O público contempla a ação como teatro e como cinema, em cenas captadas ao vivo pelo diretor de fotografia David Pacheco e trechos pré-filmados no Alto da Boa Vista, no Rio - tendo em mente o microcosmo da Barra da Tijuca. A ideia, no entanto, é que a história poderia se passar em qualquer cidade brasileira.
Na adaptação de Christiane, Julia (interpretada pela atriz Julia Bernat) é uma jovem de 17 anos que se sente atraída por Jelson (Rodrigo dos Santos) - Jean, no texto original -, rapaz quase 10 anos mais velho que trabalha como motorista para o pai da garota. Uma outra funcionária da casa, representada por Tatiana Tiburcio, aparece nas imagens pré-filmadas e fecha uma espécie de triângulo.
- Tentei manter a palavra original do Strindberg. Não é uma desconstrução. É de fato o texto dele, mas atualizado - explica Christiane.
Exemplo disso é a cena da relação sexual entre a jovem e o criado, sugerida no texto do dramaturgo e explicitada na montagem carioca. É este o momento em que Julia transita de uma posição de dominação para um sentimento de desonra.
- Na época (século 19), a sugestão da relação sexual era suficiente para deflagrar a mudança no jogo de poder. Na minha versão, a relação é realmente consumada, porque estamos em 2012. Vivemos um tempo em que as coisas são mais cruas - argumenta a diretora.
Esse momento-chave será entrevisto pelo público: a cenografia de Marcelo Lipiani conta com estratégias que evitam, em certos trechos, a contemplação direta. A cena será transmitida em um monitor, como em um filme. Não se trata de mero experimento formal. O olhar da câmera, segundo a diretora, emula a figura do pai de Julia. Ausente do ponto de vista físico, sua presença simbólica é significada pelo sentimento de vigilância permanente que interdita a relação entre pessoas de realidades socioeconômicas distintas.
Conflito social
Peça de teatro "Julia" moderniza clássico de Strindberg do século 19
Adaptação de "Senhorita Julia" da diretora Christiane Jatahy combina teatro e cinema
Fábio Prikladnicki
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