
Tomie Ohtake viu na pintura não uma forma de representar o mundo, mas de expressar seu universo interior.
Entre 1959 e 1962, ela levou essa proposta a um procedimento extremo, criando uma forma de ficar refém de sua própria percepção: vendou os olhos e executou a série Pinturas Cegas, que ganha o quarto andar da Fundação Iberê Camargo.
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As obras, que fazem parte de uma breve fase da artista japonesa naturalizada brasileira, foram reunidas em abril de 2011, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e agora chegam à Capital. Aos 98 anos, Tomie virá especialmente para a abertura de sua exposição hoje à noite. A visitação será aberta amanhã.
Enquanto os abstracionistas brasileiros divergiam a respeito das orientações geométrica ou informal, Tomie foi adiante. Experimentou praticar uma pintura que radicalizava o próprio estatuto da arte abstrata, ao negar a visão e se deixar levar somente pela percepção adquirida pelos outros sentidos.
- Tomie tem a noção do tempo que passa, em um mundo que tentamos apreender, mas nos escapa. E faz uma reflexão a partir do próprio isolamento e da subjetividade - diz o curador Paulo Herkenhoff.
Nas composições de duas ou três cores, Tomie usou azul, preto, cinza, marrom, vermelho e verde. O resultado são telas estruturadas a partir de manchas e cores diluídas que se aproximam do abstracionismo lírico (informal e tachista) e, por isso, diferentes da ordenação construtivista do abstracionismo geométrico ou da pintura de ação do expressionismo abstrato.

No texto de apresentação da mostra, Herkenhoff defende a singularidade do procedimento plástico de Tomie: "No início da década de 1960, quando a arte brasileira aprofundava o desafio da construção mais densa de uma alternativa não geométrica para a pintura, Ohtake introduz um paradigma possível com as pinturas cegas".
Mais do que o interesse de apresentar um método que pudesse se inscrever de forma particular na história da arte brasileira - e que influenciou nomes como Willys de Castro e Mira Schendel -, Tomie estava interessada em aprofundar seu processo de pintura, baseando-se no gesto e na intuição. Além de usar meios plásticos e pictóricos como instrumentos de experiência estética, a artista se inspirava também em questões que envolvem a cultura japonesa e a arte oriental, especialmente a noção de tempo e o zen-budismo.
Para compor a mostra, o curador recorreu a coleções e acervos brasileiros. Ao acrescentar outras pinturas, totalizou 33 obras em exposição. Herkenhoff destaca o fato de as pinturas cegas terem permanecido desconhecidas pelo grande público e ignoradas por boa parte da historiografia. Até 2011, não havia ocorrido uma exposição dedicada apenas a essas obras que revelasse a força desse conjunto e o resultado estético da experiência.
Um episódio também teria aguçado o método perceptivo de Tomie na execução da série Pinturas Cegas. Por indicação do crítico Mário Pedrosa (1900 - 1981), ela conheceu a teoria da fenomenologia da arte de Maurice Merleau-Ponty (1908 - 1961), segundo a qual a percepção é um acontecimento baseado na experiência dos sentidos.
Pintora, gravadora e escultora, Tomie teve um momento de figuração que antecedeu a adesão ao abstracionismo. Nos anos 1950, integrou o Grupo Seibi e conviveu com artistas como Manabu Mabe (1924 - 1997). Depois da etapa compreendida pelas Figuras Cegas, Tomie partiu para um abstracionismo mais gestual, marcado por grandes telas que exploram a textura, a redução cromática e a espacialidade, uma prática que chegou a ser relacionada ao expressionista abstrato Mark Rothko (1903 - 1970).
Tomie Ohtake - Pinturas Cegas
Apresenta série de obras que a artista pintou com os olhos vendados. Visitação de amanhã até 12 de agosto.
Para ver
Visitação a partir de sexta-feira (15/06), às terças, quartas, sextas, sábados e domingos (12h às 19h) e quintas (12h às 21h). Entrada gratuita.
Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2000), em Porto Alegre, fone (51) 3247-8000. Estacionamento no local, entre R$ 5 e R$ 10, conforme o tempo de permanência. Mais informações no site www.iberecamargo.org.br.