Para artistas que tocam forró, junho é a alta temporada. É quando a agenda enche com convites para se apresentarem em arraiais. Tão certo quanto a fogueira, o quentão e algum perdido que vai pilchado ao arraial é a presença do forró na trilha sonora. Há gaúchos que só lembram do ritmo no início do inverno. É tempo de ouvir Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Alceu Valença, Falamansa etc. Mas o forró em Porto Alegre não existe só nessa época.
No restante do ano, há uma cena emergente com grupos, entusiastas e locais nos quais se pode ouvir o gênero musical. Há cursos de dança e alunos que anseiam por colocarem os passos em prática. E há o Forró de Rua, que promove bailes em espaços públicos.
Idealizado pela baiana Giziane Almeida e realizado de maneira coletiva, o projeto foi criado em 2018. Radicada em Porto Alegre, Giziane sentiu a necessidade de expandir a cena forrozeira na cidade. Então, surgiu a ideia de levar o forró às praças e parques, realizando um evento gratuito para o público dançar ou conhecer o forró pé-de-serra (geralmente tocado por trios de zabumba, sanfona e triângulo, com linguagem baseada no sertão nordestino).
Realizado uma vez por mês, o Forró de Rua já ocupou locais como Orla do Guaíba, Praça dos Açorianos, Redenção, Praça Isabel, a Católica e Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. Trata-se de um baile a céu aberto — para participar, é só chegar. Estima-se que cada edição reúna aproximadamente cem pessoas. Os organizadores levam aos locais uma caixa de som, comprada por meio de uma vaquinha. Para os frequentadores dançarem, toca-se um forró mais tradicional, priorizando lendas como Dominguinhos e Luiz Gonzaga, além de nomes como Trio Dona Zefa, Ó do Forró, Trio Alvorada, Forró Fiá, entre outros. De grupos gaúchos, há sempre músicas do Trio Cazumbá e do Baião de Cordel.
Neste ano, o Forró de Rua começou a promover um aulão gratuito de dança para estimular novos frequentadores. Durante meia hora (cada evento dura pouco mais de três horas), professores dão dicas para o pessoal acertar o passo.
— A ideia é ter sempre um aulão, porque estamos ganhando um público que não é forrozeiro, que não vai nos eventos de forró. Uma galera comentava que se intimidava porque não sabia dançar — relata a jornalista Sophia Kath, uma das organizadoras do Forró de Rua. — O aulão veio para acolher esse pessoal que está chegando.
Entre as frequentadoras mais assíduas do Forró de Rua está a arquiteta Jagna Stefani dos Santos, 25 anos. A porto-alegrense começou a se interessar pelo ritmo em 2018, quando estava na faculdade. Encontrou na dança um meio de fugir do estresse. Logo, o forró se tornou um ponto importante em sua vida. Para ela, o projeto é uma oportunidade de apresentar o ritmo a outras pessoas.
— É gostoso de se estar lá, com pessoas diferentes na praça, ocupando espaços públicos com uma coisa que não é normal no Rio Grande do Sul — diz Jagna. — É sempre um ambiente familiar. Pode levar criança, pode levar cachorro, pode ficar tomando chimarrão em volta. Pode dançar ou não. Meus pais foram várias vezes, apesar de não dançarem mais.
Jagna também aponta que o projeto cumpre não só o papel de divulgação do forró, mas também de democratização do ritmo:
— Costuma ser necessário pagar para ir ao forró. Então, tem essa opção de graça. Isso traz uma riqueza muito grande para o cenário forrozeiro da capital, que antes era limitado aos bares.
A ideia central é que todos se divirtam e conheçam a cultura do forró
RENIE ROBIM
Participante do Forró de Rua
Assim como costuma ser em bares e casas noturnas com forró, o projeto também recebe forrozeiros de outros Estados que vivem em Porto Alegre e querem continuar conectados com o ritmo. É o caso do professor de português e espanhol Renie Robim, 38 anos. Natural de São Paulo (SP), ele vive na capital gaúcha há três anos e meio. Conforme o professor, os eventos do projeto costumam ser bem animados e festivos:
— Todo mundo é estimulado a dançar e a trocar de par. A ideia central é que todos se divirtam e conheçam a cultura do forró e se animem a expandir essa ideia para a população de Porto Alegre.
Renie afirma que vai a quase todos os bailes de forró realizados em Porto Alegre. Assim como ocorre com Jagna, o projeto serve para ele introduzir o ritmo a pessoas próximas que não são do meio forrozeiro.
— É muito mais fácil convidar alguém para ir à tarde, em um espaço público e gratuito, para dançar um pouco ou ver as pessoas dançando, do que ir à noite em uma casa noturna, onde tem que pagar — atesta. — O Forró de Rua traz muitos iniciantes. Quem não sabe dançar, sente-se à vontade.
Noites no Manara
Embora hoje o Forró de Rua esteja fomentando a cena e atraindo novos adeptos, o ritmo já teve seu boom em Porto Alegre no começo dos anos 2000. Era a época da explosão do Falamansa e do chamado "forró universitário" por todo o país. Na capital gaúcha, dois fatores ajudaram na difusão do gênero: a banda Maria Bonita e o bar Manara.
Érlon Jacques de Oliveira, mais conhecido como Elojac, foi um dos fundadores da Maria Bonita. Ele é vocalista e toca violão no grupo. Completam a formação Luciano Padilha (sanfona), Mestre Chico (zabumba) e Dani Corisco (triângulo). Quando não está com a Maria Bonita, que hoje foca mais em eventos municipais ou casas noturnas, ele tem o projeto Elojac Trio destinado a bares. Já a Maria Bonita foi criada para ocupar as noites de domingo do Manara com forró. A estreia da banda na casa foi em setembro de 2000. Porém, a recepção não foi lá tão calorosa.
— Na primeira noite, apenas quatro pessoas foram nos assistir (risos). Foi uma coisa incrível. Mas a banda curtiu tanto aquele som que seguiu — lembra Elojac.
O músico ressalta que, na segunda noite, houve mais gente. Na terceira, mais ainda. Na quarta, idem. Lá por dezembro, a banda comemorou as primeiras cem pessoas. Maria Bonita ficou quatro anos no Manara levando até 2,5 mil pessoas à casa. A explosão do forró universitário, na época, ajudou.
— Originalmente, o local abria às 22h. A fila era tanta que passamos a abrir às 21h. Depois, às 20h. No último momento, abríamos às 19h. Fechava às 5h ou 6h. Eram quase 12 horas de forró. Chegamos a ter nove bandas tocando no Manara na mesma noite — recorda Elojac.
No entanto, esse ciclo se encerraria na metade dos anos 2000. A Maria Bonita se estabeleceria como uma grife do forró gaúcho e Elojac encontraria outra casa para abrigar o baile.
Outro bar conhecido da noite porto-alegrense, o In Sano Pub completou 20 anos no último dia 22. Ao longo dessas duas décadas, os mais variados gêneros já embalaram as noites da casa na Cidade Baixa: rock, samba, soul, jazz, blues e, entre outros, o forró. Em 2008, Elojac apresentou projeto para ocupar a casa com o ritmo, o que durou entre sete e oito anos.
No início, a noite de forró era na sexta, mas acabou passando para eventos esporádicos ao longo da semana. Segundo Álvaro Lisot, proprietário do In Sano, o projeto não estava mais dando retorno.
— No forró, o pessoal dança muito e bebe pouco (risos). Para o fim de semana, começou a ficar complicado. Um bar noturno, como era nosso perfil à época, vivia do fim de semana — avalia Lisot. — Temos uma característica diferente de outros Estados: lá fora, o pessoal vai ao forró para "despirocar"; enquanto aqui é mais para dançar.
Após a pandemia, o In Sano mudou seu perfil, transformando-se em um pub. Mas, como ressalta Lisot, o público seguiu pedindo um "forrózinho". Então, ele designou um dia especial no bar para projetos que eram realizados antigamente. Surgiu o Terças Tropicanas, que promove noites de forró, música latina e brasilidades.
De acordo com o empresário, o forró ocupa duas ou três noites por mês, com bandas variadas. Lisot destaca que o projeto está tendo quase o mesmo movimento que havia nas sextas há alguns anos. Em relação ao público, os frequentadores da noite de forró seguem focados na dança. A faixa etária é bastante variada.
— É um público de 18 a 180 anos (risos). Dá de tudo — diverte-se Lisot. — Normalmente, o pessoal se conhece, não nega dança. Bastante gente de dança de salão e de fora do Estado, que veio morar aqui, como sudestinos e nordestinos. Ou o pessoal que está aqui de passagem, seja viajando ou a trabalho.

Outros lugares têm abrigado eventos forrozeiros. Pela Cidade Baixa, por exemplo, há o Guernica, na Travessa dos Venezianos, e o Espaço Cultural 512, na João Alfredo. Esse último tem recebido o Baile Tri, que a cada 15 dias, reveza apresentações dos grupos Trio Cazumbá e Baião de Cordel.
No Baile Tri, além da apresentação da banda, há o som mecânico tocando outros ritmos — como samba, salsa, zouk, entre outros. No caso, são estilos presentes em escolas de dança.
— Os guardiões do forró em Porto Alegre, por muitos anos, foram as escolas de dança — explica Maicon Paquetá, que toca triângulo no Trio Cazumbá. — Então, o pessoal dessas escolas não consome só forró, mas também outros ritmos. Com esse baile, tentamos popularizar o que acontece nas escolas de dança para o público geral.
Fundado em 2017, o Trio Cazumbá também é composto por Paulinho Cardoso (sanfona) e Phablito Santos (zabumba e voz). O grupo tem como influência o pé-de-serra tradicional, contando com músicas próprias e, em suas apresentações, trazendo clássicos de Luiz Gonzaga, Os 3 do Nordeste, Dominguinhos, além de músicas da nova geração como Trio Dona Zefa, Trio Forrozão e Falamansa.
— Queremos mostrar que o forró também pode ter sotaque gaúcho — sublinha Paquetá.
Também responsável pelo projeto Baile Tri, o Baião de Cordel surgiu em 2019. É formado por Júlia Ribeiro (zabumba e voz), Gabriel Augustin (sanfona e voz) e Gabriel Ribeiro (triângulo e voz). O projeto também foca no forró clássico, com músicas autorais.
— Nosso show traz essas músicas que são mais do forró pé-de-serra, clássicos, com algum lado B, e isso tem conquistado o público aos poucos — diz Júlia. — A cena local tem se expandido para além do forró universitário, explorando um forró mais tradicional e "rebuscado". O que é ótimo, porque por muitos anos esteve estagnado no forró midiático surgido nos anos 2000.
Ela cita também que, nos últimos cinco anos, o cenário forrozeiro tem se organizado de uma forma diferente. Júlia aponta como essencial o trabalho da plataforma Forró Porto Alegre, que opera no Instagram e Facebook, mas tem sua origem no WhatsApp.
Criado em 2017 e administrado pelo bancário Vagner Debom Eifler, o projeto abastece as redes com informações sobre eventos e grupos da cena forrozeira. Inicialmente, era um grupo de Whats organizado para ir a um show da Maria Bonita. Aos poucos, mais pessoas foram sendo agregadas.
De 2017 para cá, também surgiram novas bandas, o que enriquece a cena forrozeira, além da manutenção das atividades das tradicionais
VAGNER DEBOM EIFLER
Criador do Forró Porto Alegre
Além dos forrozeiros, Vagner frisa que o grupo agrega músicos das bandas, professores e alunos de escolas de dança, produtores e alguns representantes de casas noturnas. Logo, a troca de informações que havia ali migrou para outras plataformas.
— Tudo o que ocorreu desde o início de 2017 foi potencializado pela existência de uma rede de troca de informações. As pessoas se conhecendo e conhecendo as iniciativas forrozeiras são o segredo de tudo — assegura o bancário.
Júlia corrobora:
— A cena tem, sim, crescido nos últimos anos. Tenho vivido bastante esse movimento, pessoas fazendo forró aqui, viajando para outros lugares para estudar. Vejo que agora a gente está em um momento de ascensão, o que se deve muito à organização que se deu com esses novos projetos.
Vagner salienta que o cenário do forró em Porto Alegre está num processo de retomada, com as pessoas voltando aos poucos.
— De 2017 para cá, também surgiram novas bandas, o que enriquece a cena forrozeira, além da manutenção das atividades das tradicionais — pontua.
Entre os grupos de Porto Alegre, Vagner cita a banda Tribo Brasil e o músico Moreno Morais, que não trabalham apenas com forró, mas fazem apresentações específicas do gênero; Três Marias, que nasceu como banda de forró e foi agregando outros ritmos; além de trabalhos como o Forró da Terra Sul e o Forró de Bandido. O cenário se estende ao Interior, com nomes como Forrobodó (Novo Hamburgo), Forró Fino (Caxias do Sul), entre outros projetos.
Jagna, que frequenta o circuito forrozeiro de Porto Alegre, diz ter feito muitos amigos no forró. Virou parte da rotina e do estilo de vida da arquiteta, com baile em quase todos os finais de semana:
— Eu vou e brinco. Aliás, fazemos forró sem ser no baile. Se rola uma janta, colocamos forró para tocar. É um público muito família também, todos se conhecem. A gente demora três músicas para dar oi para todo mundo (risos).