O 8° Festival Internacional Sesc de Música tem mobilizado grandes públicos em Pelotas com atrações como Ensemble Berlin e Carlos Malta e Pife Muderno, que se apresentaram no Theatro Guarany nesta semana. No entanto, os momentos mais importantes, aqueles que transformam vidas, transcorrem longe do público, nas salas da UCPel. É lá que músicos renomados dão aulas para os cerca de 300 bolsistas do evento.
Em uma sala da universidade, o spalla da Filarmônica de Berlim, Luiz Filipe Coelho, corrige a postura de um aluno que segura o violino. A aula consolida no mineiro Kennedy Oliveira, de 17 anos, a certeza de que será violinista profissional.
— O Luiz Filipe quebrou o tabu de que os violinos no Brasil não têm futuro — diz Kennedy, estudante de baixa renda que integra a Orquestra de Câmara do Sesc em Belo Horizonte. — Meus pais achavam que violinista era preguiçoso, mas agora não me deixam desistir.
Pelos corredores da UCPel outros Kennedys aprendem clarinete com Michel Lethiec ou fagote com Guillaume Santana, entre outros nomes conceituados. Em espanhol, o búlgaro Stanimir Todorov escuta um aluno tocar violoncelo e avalia:
— Essa nota precisa de espaço, ela tem que morar em uma casa de 300 metros quadrados — diz, antes de repassar uma lição aprendida diretamente com Mstislav Rostropovich, um dos maiores instrumentistas do século 20.
A experiência do festival acaba conquistando os professores também. O italiano Emmanuele Baldini, que atua como spalla na Osesp, participou de sete edições.
— Nós professores temos que nos conscientizar que no Brasil a situação social é diferente da Europa. Temos o dever de fazer a música chegar aonde não chega — diz o músico, revelando um dos conhecimentos que transmite aos estudantes: — O aluno tem que imaginar a música antes de botar as mãos no instrumento. Se você não sente a música antes, não vai conseguir traduzi-la.
Por mais que as aulas ocorram a portas fechadas, seu resultado alcança o público geral. Ao longo do festival, os estudantes realizam diversas apresentações que incluem grandes concertos como o de encerramento, marcado para 26 de janeiro, e apresentações menores, mas não menos importantes. Na terça-feira pela manhã, um trio de alunos do núcleo de choro do Santander Cultural percorreu a Santa Casa da Misericórdia de Pelotas levando canções como Carinhoso, de Pixinguinha, até os ouvidos dos pacientes. Embora placas fixadas nas paredes insistissem em pedir silêncio, a novidade foi saudada por Cristiane Vergara Silva, que abriu as portas do quarto onde a mãe se recuperava de uma cirurgia. De sua maca, Marlene Silva, 79 anos, assistiu aos músicos no corredor.
— A música para mim é tudo, então ajuda. Gosto especialmente das antigas — disse a paciente, que planeja frequentar o festival quando receber alta.
Sem entrar nos quartos, o trio seguiu tocando choro pelos corredores do hospital até chegar na pediatria, onde foi recebido pelos olhos arregalados de crianças. Quando deixaram o recinto, o pequeno Theo Schaeffer, de 3 anos, perguntou para a mãe:
— Eles já vão?
Sensibilizada, a dona de casa Estefania de Oliveira, 26 anos, tentou prolongar o momento levando o filho para um passeio atrás dos músicos pelo hospital.
— O Theo está internado por gastroenterite há quase uma semana. Então a música é um acontecimento diferente, especialmente para ele que não pode sair daqui — comemorou a mãe.
* A jornalista viajou a convite do Sesc/RS