
Viajando juntos pelo Brasil desde agosto de 2024, os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia encerrarão a turnê conjunta em Porto Alegre. O show está marcado para o dia 22 de março, às 21h, na Arena do Grêmio.
Originalmente, a apresentação estava prevista para o dia 12 de outubro do ano passado, mas foi adiada por conta dos danos estruturais causados pela enchente na Arena.
Com o irmão completado 82 anos e a irmã com 78, a turnê Caetano & Bethânia tem sido aclamada por onde passa. No repertório, não faltam canções inesquecíveis de ambas as trajetórias, como Vaca Profana, Sozinho, Um Índio, Leãozinho, entre outras.
Em entrevista exclusiva a Zero Hora, os irmãos falam sobre a turnê, o adiamento do show na capital gaúcha por conta da enchente, os 60 anos de carreira de Maria Bethânia (que tem como base a data de sua estreia no show Opinião, no Rio de Janeiro, dia 13 de fevereiro de 1965) e as férias de Caetano.
Leia a entrevista
Como foi para vocês acompanhar a tragédia climática que aconteceu no Estado, que provocou também o adiamento do show?
Maria Bethânia - Fiquei triste, como o Brasil todo. Triste, preocupada, aflita de ver todo o drama do povo do Rio Grande do Sul. Fiquei abaladíssima, sem compreender, assustada com a realidade do mundo, o despreparo do planeta, os erros repetidos e piorados, esses acontecimentos fatais, gravíssimos. Levei um choque!
Eu tenho uma relação forte com Porto Alegre. Foi uma das primeiras cidades onde eu cantei depois da estreia do Opinião no Rio de Janeiro, e tem os compositores, o Lupicínio (Rodrigues), que me recebeu com todo amor. Além disso, o público de Porto Alegre comigo, graças a Deus, sempre foi de uma elegância, de um calor e de uma devoção que é bonito de ver.
E fora isso, humanamente cruel demais, fiquei muito mexida com tudo isso que aconteceu em Porto Alegre.
Caetano Veloso - Fiquei abalado com as notícias de outubro. Vi pela TV. Tenho muito amor por Porto Alegre, os gaúchos que me conhecem de perto sabem. As mudanças climáticas casadas com certo despreparo humano não podem maltratar uma cidade tão única. Porto Alegre está no sul do Brasil e no coração da nossa história. Isso é coisa demais para não me comover.

Conforme a agenda divulgada, Porto Alegre será a última parada de Caetano & Bethânia. Vocês pretendem encerrar a turnê na capital gaúcha ou ainda gostariam de realizar mais alguma apresentação dessa série?
Caetano - Não temos nenhum esboço de projeto para fazer mais apresentações desse show. Ele é muito importante em nossas vidas e deve ter a concisão que merece. A mim, me orgulha que encerramos em Porto Alegre.
Bethânia - Nós encerraremos a turnê em Porto Alegre.
Sendo esse o último show da turnê, vocês preveem algo especial para Porto Alegre? Algum acréscimo no repertório?
Bethânia - Não. Não creio que se mexa no repertório do show porque ele é muito ensaiado, programado e estudado daquele jeito, do jeito que ele é para lugares grandes. Então, mexer em alguma coisa sempre pode causar algum desencontro técnico. Mas, certamente, como fazemos em cada cidade, louvaremos Porto Alegre onde estaremos, se Deus quiser.
Caetano - Vamos ver (se haverá algum acréscimo no repertório).
Caetano, você já comentou que Deus Cuida de Mim é a única canção que não recebe aplausos entusiasmados das plateias na turnê. Porém, a canção teria uma finalidade de propor um diálogo respeitoso entre lados que estão polarizados. Passado esses meses, você sente que Deus Cuida de Mim cumpriu esse objetivo? E, na sua opinião, por que esta canção é tão especial?
Caetano - Deus Cuida de Mim caiu em minhas mãos sem que eu esperasse ou planejasse. Na campanha de Lula, o pastor, compositor e cantor Kleber Lucas nos foi apresentado pelo jornalista Chico Regueira. Kleber cantou o jingle que Paulinha (Lavigne) e a turma tinham criado e trouxe cantores de gospel para fazer coro. Conversando no estúdio, ele me mostrou Deus Cuida de Mim e perguntou se eu não a regravaria com ele. Topei e gravamos.
Quando Bethânia me chamou para fazer shows em arenas grandes, logo pensei em cantá-la. Sabia que a maioria da nossa plateia não aceitaria com entusiasmo a escolha. Mas nunca tive dúvida de que devia mantê-la. No início, a reação foi quase hostil. Mas os rapazes que punham o polegar para baixo na pista eram tão poucos quanto as moças e senhoras que o cantavam, quase em segredo, comigo. Eu mantinha minha concentração.
Nos shows mais recentes, não vejo polegares para baixo e cada vez mais pessoas cantam a música comigo. No segundo show em Salvador, agora em fevereiro, dava até para ouvir boa parte da plateia em coro. Não se pode pensar no povo brasileiro sem levar em conta o crescente número de evangélicos.

Caetano, você anunciou em janeiro que pretende, finalmente, tirar suas férias radicais em 2025. Segue valendo este anúncio? Sem planos para material novo ou nova turnê, então? Qual o principal compromisso que você planeja para este ano?
Caetano - Na verdade, desejo criar coisas novas. Mas vou me manter num ritmo mais descansadinho. Prometo.
Bethânia, você celebra 60 anos de carreira em 2025. Poucas pessoas chegaram tão longe com tamanha qualidade e brilho. Olhando para todo esse tempo de palco, você se sente exitosa?
Bethânia - Olha, eu ainda não tive tempo de parar para pensar direito. Eu acho bonito, penso rápido, porque como estou envolvida ainda com o espetáculo com Caetano, com a turnê, eu não tive tempo para esvaziar e sentir 60 anos de palco.
Mas eu fico alegre quando penso e digo assim: "Ah, que beleza, passou rápido". Sinto um pouco de saudade, uma certa melancolia, ao mesmo tempo uma gratidão imensa a Deus primeiramente, aos meus orixás, aos meus amigos, aos meus mestres e a mim também. Sou grata à minha devoção ao palco.
Aliás, de sua estreia no espetáculo Opinião até aqui, sua intimidade com o palco é notória por onde passa. Há um momento-chave em que você percebeu que o palco é sagrado?
Bethânia - Desde a primeira vez em que tive contato com um degrau acima do chão e alguém no degrau abaixo estava ouvindo e vendo o que estava se passando sobre desse degrau pequeno. Ou seja, a ribalta.
Como você planeja celebrar esses 60 anos de carreira? Está nos planos lançar algum material comemorativo ou realizar alguma turnê especial?
Bethânia - Ainda não tive tempo de fazer plano. Meu plano agora é o que está vivo, o que estou fazendo, o meu trabalho com meu irmão Caetano. Farei o Rio e, em seguida, Porto Alegre, encerrando a turnê. Cada um seguirá sua vida, seu destino, suas escolhas.
Eu vou descansar um pouco para, como falei, esvaziar para ver o que é, se eu quero fazer, se vou fazer o quê, como, qual a qualidade, o que é que eu penso, qual é o meu desejo… Ainda não sei nada, não deu tempo ainda de pensar.

Caetano, Fernanda Torres comentou em entrevista recente que "o Brasil tem pena do mundo não saber o que a gente sabe". Certa feita, você frisou que "o Brasil tem medo de brilhar". E acrescentou: "Sempre desconfiei que isso é porque teme ter potencial excessivo". Hoje em dia, que potencial brasileiro você crê que poderia ganhar mais projeção?
Caetano - A grande onda globalista que tendia a negar as nacionalidades não recebe apenas o golpe da extrema direita nacionalista. Também os ousados, inteligentes e que têm coragem de pensar reagem a essa simplificação.
Nasci e cresci em uma cidade do interior da Bahia, falo português desde sempre, sou branco-mulato, filho de mulato-mulato. A mim me interessa a pergunta sobre o que a especificidade do Brasil pode dizer ao mundo. País de dimensão continental, rodeado de Estados em que se fala espanhol, falante de português, uma língua de beleza estranha, o Brasil tem dívida com um projeto que ainda não se pôde inventar com clareza.
Após meses de turnê, como foi dividir os palcos pelo Brasil entre irmãos? Como ficou a relação de vocês?
Bethânia - Uma honra e uma alegria imensa. Eu sou irmã de Caetano, sou irmã caçula dele, e isso é vivo, isso é real, isso é a nossa história. Mas, além disso, tem Caetano, o autor que, para mim, é uma explosão, uma novidade, uma inteligência, uma capacidade, um brilho, uma riqueza. Então, estar ao lado dele de novo no palco tantos anos depois é uma felicidade imensa, e eu acho que nós dois estamos felizes com isso tudo.
Caetano - Fiquei grudado em Bethânia desde que viemos para Salvador estudar: ela entrava no ginasial e eu no clássico. Ao decidir sair à noite para ver espetáculos da Escola de Teatro da Bahia, ela recebeu a ordem de meu pai de só sair e voltar para casa comigo. Logo que a convidaram para substituir Nara no Opinião, meu pai exigiu que eu fosse para o Rio tomar conta dela.
Depois, ela virou adulta, me comunicou que não era mais preciso que eu a acompanhasse ou orientasse, e eu comecei uma carreira na música que nunca existiria se não fosse ela. Depois, prisão, exílio, volta. Nasceu meu primeiro filho, Moreno, fiquei três anos na Bahia, enquanto ela morava no Rio.
Beta é muito concentrada em sua própria vida. Tem personalidade forte. Cedo ela saía para os bares e voltava para casa quando queria. Depois, decidiu ficar em casa e ver poucas pessoas. É assim até hoje. Com o show, temos tido mais diálogos e encontros, mas nada mudou muito. O show é que é totalmente ela. Nos ensaios, ela foi desenvolvendo o roteiro, escolhendo as canções, eu só ouvia, obedecia e admirava. Estamos cada vez mais felizes um com o outro desde que esse show começou.
Ingressos para o show "Caetano & Bethânia"
- Dia 22 de março, às 21h, na Arena do Grêmio (Av. Padre Leopoldo Brentano, 110), em Porto Alegre
- Os ingressos custam a partir de R$ 130 (meia-entrada) e pode ser adquiridos pela plataforma da Ticketmaster e na bilheteria da Arena (de terça a sábado, das 10h às 17h — não funciona em dias de jogos, feriados e emendas de feriados).
- Desconto de 50% para sócios e acompanhante do Clube do Assinante
- Classificação: 16 anos. Menores de cinco a 15 anos, apenas acompanhados dos pais ou responsáveis legais (sujeito a alteração por decisão judicial).
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