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Mestres da música erudita de diferentes continentes estarão até sexta-feira em Pelotas para aulas e concertos do 7º Festival Internacional Sesc de Música. Mas a programação não é composta apenas por medalhões de fora do país. Nesta segunda-feira, um dos destaques é um grupo local formado por jovens que passaram (e ainda passam) por muitas adversidades para seguir tocando.
Às 19h, a Orquestra do Areal, composta por estudantes de nove a 19 anos da Escola Estadual Ginásio do Areal, é a atração de um concerto na Igreja São José, no Bairro Fragata. Há alguns anos, nenhum dos integrantes do conjunto sonhava em tocar temas do repertório erudito. Tudo mudou com a chegada de um kit com instrumentos musicais, em 2014. As caixas, distribuídas pelo governo estadual, foram abertas pela professora Lys Ferreira, que precisou montar cada um dos instrumentos.
Os estudantes acompanharam os violinos e violoncelos tomarem forma.
– Quando esse projeto chegou à escola, abrimos inscrições, e os alunos só queriam saber de violão. Hoje, já temos filas para tocar instrumentos como viola e violoncelo – conta Lys.
Kethelin Peres, de 15 anos, foi uma das estudantes cativadas pelo violino.
– Comecei a ouvir meus colegas tocando e fui gostando – ela lembra.
O repertório da orquestra alia canções populares e temas clássicos. Lys conta que não impôs nenhum compositor aos estudantes:
– No início, deixei o repertório bem aberto. Eles traziam as sugestões, com música popular e rock. Mas, depois disso, alguns alunos que tocavam trechos mais complexos começaram a influenciar os outros. Eles não tinham noção do que era cada período da história da música, mas começaram a ouvir, ver outras pessoas tocando, e também a olhar na Wikipedia e no YouTube. Começaram a pedir Bach, cânones de Pachelbel, e isso foi evoluindo.
Atualmente, a orquestra é convidada para tocar em diferentes eventos de Pelotas, como a Feira do Livro e a Fenadoce. Para a apresentação de hoje, no entanto, a preparação está sendo especial: há uma semana, os alunos participam de aulas com o professor Gean Veiga, segundo violino da Ospa.
– Já dei aula em todo tipo de escola e situação. Essa realidade aqui é a mais apaixonante, porque eles estão muito a fim de tocar. E se veem na música. Estão presentes de verdade – diz Veiga.
Há três meses, a Orquestra do Areal sofreu um abalo. Em outubro, a escola Ginásio do Areal foi arrombada, e o piano elétrico do grupo foi furtado. O instrumento estava avaliado em torno de R$ 3 mil. O caso comoveu a sociedade pelotense, e o incidente acabou revertendo em saldo positivo por conta da solidariedade manifestada pela comunidade local. Um concerto para arrecadar fundos para repor o piano foi sugerido pelos pais dos alunos. A renda da bilheteria foi um pouco menor do que o montante necessário, mas o evento também sensibilizou o público a fazer doações – um violino, um violão e dois teclados foram recebidos a partir da campanha que ali se iniciava.
Passado o entusiasmo, hoje Lys não se sente tão aliviada. A professora teme que o baixo investimento do Estado na área da educação possa colocar em risco a manutenção da orquestra, já que despesas para repor cordas e fazer outros reparos em instrumentos são significativas e constantes. Para cobrir alguns custos, o grupo planeja criar uma linha de camisetas, canetas e outros objetos que possam ser vendidos. Entretanto, Lys não acredita que essa seja uma solução definitiva para o projeto:
– A partir do momento que essa é uma iniciativa pública, deve ser facilitada pelo poder público. O que essas crianças estão recendo não é nenhum privilégio, e sim um direito.