Há boas razões para dar livros de presente. A primeira é correr atrás de recuperar a leitura perdida entre tantas tarefas urgentes ao longo de 2024 — neste caso, o mimo é para si próprio.
A segunda razão é pregar a palavra da literatura e, como um messias querendo mudar o mundo, incentivar as pessoas a lerem mais livros. Afinal, a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou que aqueles que não leem são maioria no país. Mas, no fundo, no fundo, ninguém tem orgulho de não ser um leitor.
Zero Hora separou 15 dicas de livros de autores brasileiros e estrangeiros, passando por diferentes categorias, do romance à saúde mental. Todos lançados em 2024.
Romance
Mudar: Método e Monique se Liberta, de Édouard Louis
O francês Édouard Louis é a mais recente sensação na literatura contemporânea.
Homossexual, criado em uma família pobre no interior da França, filho de operário, ele transformou sua própria vida na matéria de suas histórias, o que talvez justifique a febre em torno de seus livros.
Foram sete publicados até o momento, sendo quatro deles no Brasil, todos pela Todavia, que planeja lançar as obras restantes. Os últimos dois foram lançados aqui em 2024. Em Mudar: Método, ele fala com franqueza e sem limpar a própria barra como passou da condição de menino do interior que não lia livros para o escritor requisitado convivendo com a classe média intelectualizada.
Em Monique se Liberta, ele mostra a nova etapa da vida da mãe, que passa a ser ajudada financeiramente pelo filho escritor e conquista uma nova vida, vivendo sozinha pela primeira vez, sem filhos e sem marido.
- Mudar: Método, Todavia, 240 páginas, R$ 74,90
- Monique se Liberta, Todavia 96 páginas, R$ 54,90
Intermezzo, de Sally Rooney
O New York Times disse que ela é a primeira grande autora da geração millenial.
Nascida em 1991, a irlandesa Sally Rooney tornou-se uma best-seller mesmo fazendo um tipo de literatura que não é água com açúcar ou vira-página. Identificando-se como uma marxista, Rooney tem a façanha de escrever sobre pessoas normais, vivendo relações ordinárias, mas contornadas por questões pulsantes e complexas de uma sociedade sob pressão.
Em Intermezzo, seu quarto romance, publicado no Brasil neste ano pela Companhia das Letras, ela retrata o relacionamento de dois irmãos de personalidades distintas, que acabaram de perder o pai e vivem experiências afetivas que os desafiam emocional e eticamente.
- Intermezzo, Companhia das Letras, 488 páginas, R$ 63,92
Bambino a Roma, de Chico Buarque
Merece ser lida a infância de um dos maiores compositores brasileiros.
Em Bambino a Roma, Chico Buarque narra em primeira pessoa como saiu do Rio de Janeiro ainda menino, ao lado dos pais e irmão, para viver um período em Roma, onde Sergio Buarque de Hollanda tornara-se professor.
Nostálgico e misturando ficção e memória, Chico escreve sobre a escola, os colegas, os pequenos amores, as ruas de Roma, a amizade com o filho da grande atriz italiana Alida Valli, com quem dançara uma valsa.
Se é tudo verdade não se sabe, e aí reside a graça em ler o bambino sensível e travesso que virou ídolo de muitos brasileiros. Uma leitura deliciosa para quem é fã de sua prosa musical e literária.
- Bambino a Roma, Companhia das Letras, 168 páginas, R$ 63,92
De Onde Eles Vêm, de Jeferson Tenório, e Vera, de José Falero
É gratificante ver dois escritores que se desenvolveram em Porto Alegre alcançando o Brasil.
Jeferson Tenório e José Falero, juntos neste tópico, são amigos e, embora cada um tenha seu próprio estilo literário, abordam temas semelhantes envolvendo pessoas à margem da classe média intelectualizada.
Além das histórias se passarem em Porto Alegre, os dois livros foram lançados neste mesmo 2024.
Em De Onde Eles Vêm, Tenório tem como gancho o sistema de cotas nas universidades para mostrar as dificuldades que um jovem negro enfrenta para subir degraus na escadinha das classes sociais.
Vivendo na periferia, com o sonho de ser escritor, Joaquim entra na faculdade e depara com mais dificuldades do que razões para permanecer tentando.
Em Vera, Falero mergulha de peito aberto no machismo, tendo como protagonista uma empregada doméstica que vive microviolências diárias, da partida de casa na Lomba do Pinheiro à chegada na residência de uma família rica no Menino Deus. Ao redor dela orbitam outras personagens femininas fustigadas pelas mesmas opressões de gênero.
- De Onde Eles Vêm, Companhia das Letras, 208 páginas, R$ 74,90
- Vera, Todavia, 304 páginas, R$ 69,90
Horror e suspense
Coelho Maldito, de Bora Chung
Apontada como uma escritora da recente onda de literatura de horror feminista, a sul-coreana Bora Chung publicou Coelho Maldito, seu primeiro livro, em 2017.
A obra foi finalista do International Booker Prize, nos Estados Unidos, em 2022. No Brasil, foi publicado em 2024 pela Alfaguara, selo da Companhia das Letras.
Trata-se de uma reunião de contos em que situações surreais e grotescas lançam questionamentos sobre a humanidade e a condição das mulheres.
No conto que dá nome ao livro, coelhos amaldiçoados levam toda uma família à ruína, sendo uma metáfora para o desejo de vingança e uma crítica à ganância. "Não posso mudar a realidade mas, pelo menos nas minhas histórias, posso matar as pessoas más e me divertir durante o processo", declarou a escritora.
- Coelho Maldito, Alfaguara, 232 páginas, R$ 55,92
Cupim, de Layla Martínez
Outro livro considerado um terror feminista, Cupim, da espanhola Layla Martínez, foi publicado em 2021 na Espanha, tornando-se sucesso de vendas, e chegou ao Brasil em 2024 pela Alfaguara, da Companhia das Letras.
Avó e neta moram em uma casa assombrada. Pode parecer mais uma história de fantasmas, mas vai além. Intercalando as vozes narrativas, avó e neta falam sobre a história da família, contando ódios, mágoas e vinganças vividas por quatro gerações de mulheres.
Há o assombro dos fantasmas que habitam a casa, espíritos antigos que presenciaram a Guerra Civil espanhola, mas também a brutalidade da vida, das relações humanas, da injustiça social, igualmente capazes de corroer a alma.
- Cupim, Alfaguara, 120 páginas, R$ 55,92
Uma Família Feliz, de Raphael Montes
Autor do livro Bom Dia, Verônica, que virou série da Netflix, Raphael Montes é tido como um dos principais escritores de suspense no Brasil, além de ter atuação celebrada no audiovisual, tendo escrito o roteiro da trilogia A Menina que Matou os Pais, exibida no Prime Video.
Thriller psicológico, Uma Família Feliz foi lançado neste ano pela Companhia das Letras e retrata a vida de uma família perfeita em um condomínio de luxo no Rio de Janeiro, onde tudo está ao alcance dos moradores.
Em uma narrativa ousada, a história começa pelo final, quando a protagonista, Eva, já está arruinada psicologicamente, o que instiga o leitor a entender o que houve com essa mulher.
- Uma Família Feliz, Companhia das Letras, 352 páginas, R$ 47,92
Contos e crônicas
Condições Ideais de Navegação para Iniciantes, de Natalia Borges Polesso
Foi com o livro de contos Amora que a gaúcha Natalia Borges Polesso venceu o Prêmio Jabuti em 2016 e consolidou-se como um dos principais nomes da literatura contemporânea brasileira.
Ela retorna ao gênero reunindo histórias de pessoas descobrindo como existir em um mundo intrigante e hostil.
Em todas as histórias, há o elemento da água, por vezes muito sutil. São contos que falam de afirmação de identidades divergentes, relacionamentos tóxico, autoaceitação, solidão. A fragilidade humana na prosa delicada e bem-humorada de Natalia Borges Polesso.
- Condições Ideais de Navegação para Iniciantes, Companhia das Letras, 250 páginas, R$ 79,90
Comigo na Livraria, de Martha Medeiros
Leitora voraz, Martha Medeiros, uma das maiores cronistas do Brasil, reúne 71 textos publicados em Zero Hora ao longo de suas três décadas como colunista do jornal.
São crônicas em que ela costura opiniões sobre leituras com papos sobre a vida, além do fazer literário e da importância da leitura.
Funciona tanto como um guia para quem deseja levar em consideração a opinião de uma das maiores escritoras do Brasil sobre que livro ler, mas também há o que Martha melhor saber fazer: reflexões diversas, da importância do sexo à política no Brasil.
- Comigo na Livraria, L&PM, 216 páginas, R$ 59,90
Poesia
Cova profunda é a boca das mulheres estranhas, de Mar Becker
Finalista do prêmio Jabuti com seu primeiro livro, A Mulher Submersa (Urutau, 2020), a jovem gaúcha Mar Becker é conhecida por explorar as dinâmicas familiares, domésticas e íntimas em seus poemas.
Na sua terceira obra, cova profunda é a boca das mulheres estranhas, publicada em 2024 pela editora Círculo de Poemas, a poeta se debruça sobre os gestos contidos e tensos da mãe, a irmã e as donas de casa que habitam Passo Fundo.
Nos poemas, Mar reflete sobre os silêncios que cercam essas mulheres estranhas, ampliando o pensamento sobre a liberdade e a força feminina.
"Há modos de se fazer política na poesia, que podem ser macro, evidentemente políticos, como Brecht fazia, ou poemas que fazem uma micropolítica, que podem ganhar voz através de sussurros, podem ganhar força pegando pelo pequeno", declarou certa vez, em entrevista.
"Cova profunda, e talvez outros livros meus, trabalham com a micropolítica, do pequeno, e não menor por ser pequeno, mas tão fundamental quanto, porque há coisas que só se ouve falando baixinho."
- Cova profunda é a boca das mulheres estranhas, Círculo de Poemas, 40 páginas, R$ 44,90
Literatura de cura
A Lanterna das Memórias Perdidas, de Sanaka Hiiragi
Pertencente a um tipo de literatura que se propõe a confortar o leitor, batizada de literatura de cura, A Lanterna das Memórias Perdidas, da japonesa Sanaka Hiiragi, acompanha o dono de um estúdio fotográfico que recebe visitantes que acabaram de falecer.
Antes de irem para o além, esses visitantes ganham um último desafio: selecionar fotografias, uma de cada ano, para serem reproduzidas em um filme da sua vida projetado por uma lanterna rotativa.
A história faz uma reflexão sobre o que é realmente importante na vida e quais momentos vale a pena lembrar. Além de revelar aspectos da cultura japonesa, a autora usa a lanterna como metáfora para oferecer a clareza que os personagens precisam para seguir adiante.
- A Lanterna das Memórias Perdidas, Record, 192 páginas, R$ 59,90
Biografia
Sonny Boy: Autobiografia, de Al Pacino
Ele é o ator preferido de muitos. Marcou o cinema das décadas de 1970, 1980 e 1990 com clássicos como O Poderoso Chefão (1972), Um Dia de Cão (1975), Scarface (1983) e Perfume de Mulher (1992).
Os fãs agora poderão saber com detalhes a vida de Alfredo James Pacino, ou Al Pacino, que narra a infância no Bronx, abandonado pelo pai e criado por uma mãe mentalmente instável, que tentou tirar a própria vida. Ela o chamava de Sonny Boy, inspirada pela canção do cantor Al Jonson.
A autobiografia conta como Al Pacino iniciou como ator de teatro em Nova York, enfrentou dificuldades financeiras e o vício em alcoolismo ao mesmo tempo em que viveu o auge do sucesso. Acima de tudo, o livro ressalta sua paixão pela arte e pela atuação.
- Sonny Boy: Autobiografia, Rocco, 352 páginas, R$ 79,90
Bem-estar
A Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt
É um tema que interessa a quase todo mundo: a superexposição na internet e o tempo que se gasta nas redes sociais.
O psicólogo social Jonathan Haidt mostra evidências que relacionam o aumento dos índices de depressão, ansiedade e transtornos mentais em meninos e meninas ao uso das redes sociais. Ele também examina por que as redes sociais prejudicam mais as meninas.
Mas não apresenta o problema sem apontar possíveis contornos: mostra um plano de ação para pais, professores, escolas, empresas de tecnologia e governos reverterem a situação e evitar danos psicológicos ainda mais profundos.
- A Geração Ansiosa, Companhia das Letras, 440 páginas, R$ 74,90
* Colaborou Rayne Sá