Em 1995, Tabajara Ruas, patrono da 69ª Feira do Livro de Porto Alegre, lançava Netto Perde Sua Alma, obra que venceu o Prêmio Açorianos de Literatura no ano seguinte. Nas páginas do livro, o escritor remonta trechos da vida do general Antônio de Sousa Netto, que lutou nas guerras dos Farrapos e do Paraguai — um herói gaúcho. Para contar esta jornada repleta de aventuras, o autor recorre, claro, à história real, mas também à sua imaginação, adicionando ficção para a construção do seu épico.
Este tipo de obra é classificada como romance histórico, um gênero literário em que a narrativa ficcional se relaciona com fatos históricos, com a composição dos personagens e dos cenários de acordo com documentos e dados. Um aprofundamento sobre o tema e como ele pode proporcionar a construção de grandes obras será apresentado na programação da Feira do Livro nesta quinta-feira (2).
A mesa-redonda gratuita História e Literatura: Uma Viagem a Três Mundos, que ocorre a partir das 16h no Auditório Barbosa Lessa do Espaço Força e Luz (Rua dos Andradas, 1.223 – Centro Histórico), em Porto Alegre, vai reunir o atual patrono do evento literário, Tabajara Ruas, o ex-patrono de 2006, Alcy Cheuiche, e o uruguaio Mario Delgado Aparaín. O bate-papo, que será mediado pela escritora Andrea Barrios, vai convidar os presentes a viajar pelos mundos criativos dos autores, mostrando a relação entre história e literatura.
Tanto Ruas quanto Cheuiche, com vários títulos publicados dentro do gênero romance histórico, cravam que o principal ponto para fazer uma obra do tipo é a pesquisa. E de que forma se pesquisa o passado? Principalmente, lendo. Mas, claro, para mergulhar em um assunto e ainda escrever um livro sobre isso, é preciso se interessar pelo tema. E ambos os autores compartilham esta paixão pelas histórias que recontam, adaptando conforme a imaginação; porém, dentro das quatro linhas do que é fato.
— Entre a ficção e a realidade, a gente tem que usar o bom senso. Tem que ver até onde o fato que a gente quer contar se aproxima do que está imaginando. É um encontro de duas formas de narrar. Uma é a realidade, quase uma reportagem, e a outra é a imaginação, que tem que deixar rolar — explica Ruas.
— No romance histórico, a gente tem que fazer uma pesquisa muito cuidadosa, sem inventar nada. Quer dizer, tu podes até colocar personagens fictícios que andam pelo mesmo caminho dos reais, mas os fatos históricos narrados não podem ser falsificados. Por isso, é preciso que a gente se encante pelo tema — completa Cheuiche.
Misturando fatos com imaginação
Os dois autores têm em sua obra romances históricos com mais ou menos ficção e também títulos que são totalmente inspirados em suas criatividades, sem qualquer pé na realidade. Ambos acreditam que o mais difícil, de fato, é conseguir misturar fatos com a imaginação, uma vez que se torna ainda mais importante a conservação do que realmente houve, para não confundir o leitor e, principalmente, para não profanar os feitos do povo que é retratado nas páginas.
— Em Netto Perde a Sua Alma, metade é fato acontecido, buscado nos livros de história e reproduzido com alguma nuance. A outra parte é inventada mesmo. Eu peço auxílio para a criatividade para ir mexendo na história, fazer andar para frente, de preferência, o fato real e a imaginação juntos. Sempre estou ligado na realidade das histórias, e os finais que elas tiveram são coerentes com tudo que estou narrando. Nunca inventei nada que possa alterar a percepção das pessoas a respeito da história do Rio Grande do Sul — garante Ruas.
Cheuiche também aponta que é muito cuidadoso em seus trabalhos — inclusive, para o seu mais recente livro, O Pacificador: A História da Vida do Duque de Caxias (2023), foram décadas até ele estar "pronto" para escrever a obra. Já para fazer Nos Céus de Paris: O Romance da Vida de Santos Dumont (1998), o escritor fez uma pesquisa profunda sobre a vida do pai da aviação, principalmente no período de três anos em que morou em Paris, cidade em que o inventor residiu por mais de duas décadas.
— O Santos Dumont não ia para lugar nenhum sem convocar a imprensa. Isso é muito importante. Ele queria provas. Então, fui pesquisar nas fontes, diretamente nos jornais de Paris. Assim, quando ele está em um diálogo, eu tiro de uma entrevista. Só que ao invés de botar que é uma entrevista, coloco que ele está em um bar conversando com os amigos. O que ele diz é exatamente o que foi respondido por ele nas entrevistas para os jornais — explica o autor.
Tal dedicação para estar o mais próximo possível da história, inclusive, comoveu a sobrinha-neta do aviador, Sophia Dumont, que elogiou o trabalho do romancista pela fidelidade e por construir a imagem do parente tal qual a família contava. Este artifício de imaginar cenários, mas mantendo a essência e os fatos, é essencial na visão do autor, pois é assim que o livro consegue ser atrativo.
— Tem que captar a atenção do leitor. O leitor não pode soltar o livro. Então, não tem nota de rodapé. No livro de história, as pessoas são obrigadas a colocar as notas de rodapé. Já a gente escolhe uma versão. Não pode ter duas versões no romance histórico. E não tem nada de nota de rodapé, porque a vida não tem isso. E romance é vida — completa Cheuiche.
Mostra de cinema de Tabajara Ruas
Tanto Ruas quanto Cheuiche escreveram romances que retratam episódios importantes do Rio Grande do Sul. Mas o que, na visão dos dois autores, existe na história do Estado que fascina e levou ambos a dedicarem seus talentos para desenvolver as narrativas sobre os gaúchos?
— São histórias de muita ação, de muita perseguição, de muita correria. Tem combates, tem sessões de discussões, tem fugas de ilhas, no meio do mar. Tem uma série de elementos que são propícios para a narrativa de aventura e, no fundo, tudo o que eu escrevo são narrativas de aventura, com o pé na realidade, com o pé no mundo real — detalha Ruas.
Por sinal, algumas das aventuras imaginadas pelo escritor foram adaptadas para o cinema, nos filmes Netto Perde a Sua Alma (2001, direção dele e Beto Souza) e A Cabeça de Gumercindo Saraiva (2018, direção dele), e estarão na mostra O Cinema do Patrono Tabajara Ruas, que será realizada entre esta quinta-feira (2) e o dia 8 de novembro na Cinemateca Paulo Amorim (Rua dos Andradas, 736 - Centro Histórico), sempre às 19h15min. A entrada é franca.
Cheuiche viajou o mundo e conta histórias de todos os lugares, mas tem um carinho especial pelo Rio Grande do Sul.
— Estamos em um Estado que é realmente o único e que, por muito tempo, tinha fronteiras diretas com o Império Português e com o Império Espanhol. E, se voltar no tempo, pelo Tratado de Tordesilhas, o Rio Grande do Sul era espanhol. A colonização começou por aqui com os jesuítas. As lutas de fronteiras geraram uma série de acontecimentos e, assim, as condições geográficas do Rio Grande do Sul se transformaram em condições históricas — afirma Cheuiche.
História e Literatura: Uma Viagem a Três Mundos
- Com Tabajara Ruas, Alcy Cheuiche e Mario Delgado Aparaín. Mediação de Andrea Barrios.
- Nesta quinta-feira (2), ás 16h, no Auditório Barbosa Lessa no Espaço Força e Luz (Rua dos Andradas, 1.223 – Centro Histórico), em Porto Alegre.
- Entrada franca.
O Cinema do Patrono Tabajara Ruas
- Desta quinta-feira (2) a quarta-feira (8), sempre às 19h15min, na Cinemateca Paulo Amorim (Rua dos Andradas, 736 - Centro Histórico), em Porto Alegre.
- Entrada franca.
- Veja a programação no site da Cinemateca.