Por Luís Francisco Wasilewski
Pesquisador teatral, Doutor em Literatura Brasileira pela USP
Alguém me disse
Que tu andas novamente
De novo amor
Nova paixão
Os versos desta canção composta por Evaldo Gouveia, que se tornaram célebres nas vozes de Gal Costa e Ana Carolina, foram criados pelo autor quando ele viveu uma paixão pela vedete gaúcha Eloína, cujo nome de batismo é Eloína Ferraz. Essa história e muitas outras sobre sua fulgurante trajetória finalmente estão eternizadas em uma biografia.
Faço referência ao livro Eloína: Muito Além das Curvas, de Alberto Camarero e Alberto Oliveira, que será lançado em Porto Alegre na próxima quinta-feira (26/10), no Espaço Zona Cultural, a partir das 19h. Esse lugar, diga-se de passagem, com sua produção em sequência de espetáculos do gênero cabaré, tem ajudado a manter a estética do Teatro de Revista presentificada na cena teatral de Porto Alegre.
Eloína pertence a uma linhagem da qual fazem parte Virginia Lane, Anilza Leoni, Nélia Paula, Luz del Fuego e Elvira Pagã. Trata-se de mulheres que enfrentaram a moral conservadora da sociedade brasileira e decidiram exibir, seja no palco, nas revistas ou na vida, seu corpo, muitas vezes praticamente desnudo. Eram estrelas do gênero teatral mais popular no Brasil da década de 1950, a saber, o teatro de revista. E todas as citadas foram estrelas de companhias teatrais como as de Walter Pinto e Silva Filho. Eram especialistas em descer uma escadaria sem olhar para o chão, bem como seduzir os homens da plateia com seus números recheados de double sense.
Um exemplo famoso era o da vedete que abordava um espectador vestida de cadeado. Chegava e comentava: “Ah, um senhor tão grande com uma chavinha tão pequena... Vai se perder no meu cadeado... Deixa eu ver a do seu colega aqui... Nossa, mas o senhor é um exagerado, com uma chave desse tamanho vai arrombar meu cadeadinho...”. Se isso hoje pode ser considerado algo ingênuo, na época, levava a plateia masculina ao delírio.
Havia também uma ligação das vedetes com a política brasileira. É sabido que Virginia Lane foi amante de Getúlio Vargas. Por muito tempo, houve a especulação de que Eloína teria tido um romance secreto com Juscelino Kubitschek, algo que ela sempre negou para mim (falo disso no prefácio que escrevi), o que repete em sua biografia.
Há na publicação a reconstituição de fatos históricos envolvendo a vedete gaúcha. Um deles é a censura que o então governador do Estado de São Paulo, Jânio Quadros, fez a uma revista na qual ela aparecia na capa com apenas uma toalha tapando sua nudez. Também foi a primeira atriz brasileira a fazer seguro de seu corpo, algo que depois se tornou corriqueiro no Brasil. Outro fato: provavelmente ela tenha sido a primeira mulher a ter vestido em uma via pública brasileira a calça Saint-Tropez.
Tudo começou a partir do filme E Deus Criou a Mulher, dirigido por Roger Vadim e estrelado por uma das musas do cinema na década de 1950, Brigitte Bardot. Vadim escolheu a cidade de Saint-Tropez como locação de sua película. Com isso, fez o lugar surgir no mapa geográfico, bem como suscitou a aparição da vestimenta. No livro, estão as míticas fotos de Eloína vestindo uma calça Saint-Tropez no Rio de Janeiro e em São Paulo em setembro de 1961. Ela desfila com a roupa e todos na rua aparecem com a feição escandalizada.
Outro acontecimento importante para a eternização de seu nome foi ela ter batizado a travesti Eloína dos Leopardos, uma importante figura da história do movimento LGBTQIAP+ brasileiro. Esta assumidamente quis adotar o nome da vedete da qual era fã. O complemento “dos Leopardos” surgiu na atualidade, porque a travesti criou, na década de 1980, o célebre show A Noite dos Leopardos. Um fenômeno que se manteve anos em cartaz e arrastava multidões aos teatros cariocas para verem a travesti e seus belíssimos homens, que, no encerramento do espetáculo, apareciam com seus pênis eretos.
Eloína: Muito Além das Curvas é um documento precioso para quem se interessa pela história cultural brasileira. Especialmente nos dias de hoje, em que o moralismo e o retrocesso estão aparecendo de forma assustadora em nossa sociedade.