![Paulo Ernani Rezende de Rezende / Arquivo pessoal Paulo Ernani Rezende de Rezende / Arquivo pessoal](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/26217567.jpg?w=300)
Ator importante na implantação do projeto do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no país, inspirado no modelo francês de atendimento a casos de urgência, o médico gaúcho Paulo Ernani Rezende de Rezende acaba de lançar uma autobiografia em que conta os bastidores dessa empreitada.
Em Do Pinheiro Torto ao Vasto Mundo, Rezende, prestes a completar 80 anos e radicado na França, revela os bastidores desse projeto e detalhes de sua trajetória profissional. O título referencia o sítio de seu avô, chamado Pinheiro Torto, em Passo Fundo.
O médico obedecia ao confinamento imposto pela pandemia quando finalizou a obra, o que o levou a abandonar a ideia de lançá-la no Brasil. De sua casa, na França, ele concedeu esta entrevista por telefone a GaúchaZH.
Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Todo mundo dizia que eu devia escrever memórias, porque tive uma vida, digamos assim, interessante. Fiz meus estudos em Moscou, voltei ao Brasil, na época da ditadura, e finalmente resolvi vir para a França, onde cheguei em 1970.
A experiência na França carrega proximidade com o Brasil?
Entre 1989 e 2012, estive no Ministério da Saúde da França. E participei de vários projetos em relação ao Brasil, o principal deles o Samu. A embaixada da França queria alguma cooperação com o Brasil no campo da saúde. E eu fui incumbido de ver a possibilidade de fazer essa cooperação.
E o começo do Samu no Brasil foi por Porto Alegre. Como foi?
Sim. Estive, pela primeira vez, em 1995, quando, a partir de Porto Alegre, passando por quase todas as capitais, apresentei o programa. Esse programa começou na época do Fernando Henrique Cardoso, e depois, quando o Lula foi eleito presidente, aí o projeto foi implementado realmente. O ministro da Saúde no Brasil, na época, veio à França, eu o recebi e mostrei o Samu de Paris a ele. Quando o ministro voltou ao Brasil, o projeto começou de fato.
Como o senhor compara o padrão francês de atendimento de urgência e o modelo brasileiro?
O Samu brasileiro é inspirado no francês, mas o modelo da França inspirou também Espanha e Portugal. E isso funciona bem no Brasil. Mas tem problemas. Volta e meia surgem questões que nós não podemos estar de acordo, como transferir o Samu para uma organização social ou para a iniciativa privada, de forma a não deixá-lo gratuito. O Samu tem de ser gratuito e financiado pelo governo federal, pelo Estado onde é operado e pelo município onde está implementado. A fundação primeira do Samu, que eu defendo, é a continuação de como foi feito no começo, no âmbito público.
E a França, tem algo a aprender com o sistema brasileiro?
No Brasil, o sistema que serve de exemplo internacional é o Sistema Único de Saúde (SUS). Na França, também há um sistema público de saúde, assim como na Inglaterra e na Europa em geral. Na França, a pessoa de mais de 70 anos de idade tem todo o seu tratamento gratuito.
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A pandemia colocou à prova os sistemas de saúde em geral. Como o senhor avalia que o Brasil tem se saído?
O problema que há no Brasil é que as autoridades federais não estão seguindo as regras. O presidente aparece sem máscara, diz que é uma gripezinha... Não sei o que vai dar. Tem comentaristas que talvez exageradamente dizem que a pandemia vai continuar até 2023. Todos os países esperam a vacina. Temos de aguardar.
Entre os países pelos quais o senhor passou, qual o sistema de saúde que lhe parece mais adequado?
Começando pelo sistema inglês: o National Health Service (NHS) é um sistema público financiado por impostos. Eles fizeram muitas reformas, na época da Margaret Thatcher (primeira-ministra entre 1979 e 1990), de cunho neoliberal, para que o sistema não fosse mais tão público. Teve muita manifestação contrária, e eles acabaram tendo de voltar atrás. Na França, é um sistema público, financiado pelo empregador e também pelo empregado. Cada um para, por meio de tributações, o seu sistema de saúde, que é gerido pela previdência social. Na Alemanha também funciona mais ou menos dessa maneira: empregado e empregador financiam esse sistema. É difícil apontar algo que funcione melhor e que não tenha esse princípio. No Brasil, nem o SUS é universal: 45% das despesas de saúde são financiadas por planos de saúde. Na Alemanha e na Inglaterra, não existe esse tipo de plano de saúde privado. E aqui, na França, esse sistema atual é muito bem visto pelo povo: governo nenhum poderá, um dia, privatizar tudo isso.
E o pessoal do Pinheiro Torto, o que tem achado das suas memórias?
O pessoal de Passo Fundo sempre me disse que ficariam muito orgulhosos de ver um passo-fundense escrever um livro de memórias, e agora o estamos publicando no Brasil, em português, mas vamos preparar também uma edição em francês para ser lançada aqui (na França). Enquanto eu estava trabalhando nesse projeto, ficava pensando em que língua deveria escrever, se em português ou francês. Finalmente, a decisão tomada foi em ambas.