Por Márcio Soares
Jornalista, doutorando em Letras (UFRGS)
A década de 1950 foi atípica para Erico Verissimo, que passou três anos em Washington (EUA). O leitor que acompanhava suas inesquecíveis obras ficcionais não foi desconsiderado, já que, no período em que esteve fora do Brasil, o escritor produziu uma atraente narrativa sobre sua viagem ao México.
Em dezembro de 1952, após lançar os dois primeiros tomos de O Tempo e o Vento (O Continente, de 1949, e O Retrato, de 1951) –, o autor recebeu o convite para dirigir o Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. Lá, Erico desempenhou diversas tarefas administrativas, gerenciou departamentos como Educação, Filosofia e Letras, Música e Artes Visuais e Ciências Sociais e a Biblioteca Colombo. E viajou os EUA e a América Latina dando palestras (escritas e lidas em inglês e espanhol) sobre pan-americanismo e as culturas latino-americanas.
Além da narrativa de viagem México (1957), O Senhor Embaixador (1965) traz um ambiente diplomático cheio de intrigas, no qual Erico narra a formação e as crueldades de governos ditatoriais da região.
Seus discursos, proferidos em distintos locais e situações, permitem conhecer seus princípios e seu projeto literário. Eles estão reunidos no livro Erico Verissimo na União Pan-Americana: Discursos, organizado por Maria da Glória Bordini e Ana Leticia Fauri. A obra é o resultado de um trabalho de pesquisa vinculado ao projeto Um Diplomata a Contragosto: Erico Verissimo na União Pan-Americana, 1953-1956 e está disponível para download gratuito no site da editoria Makunaima (edicoesmakunaima.com.br/catalogo).
A publicação revela um aspecto menos conhecido de Erico, a diplomacia. Mesmo sem experiência, ele colaborou de forma efetiva para os esforços da OEA na manutenção da paz social e do entendimento intercultural das Américas.
Os discursos complementaram a tese de doutorado de Ana Leticia e foram por ela encontrados na Biblioteca Colombo, na capital estadunidense. Eles mostram que o autor combateu o autoritarismo, o racismo, o machismo, a inferioridade do povo mestiço, entre outros temas relevantes do pós-guerra.
De acordo com as pesquisadoras, é exemplar a conferência que realizou no clube Ateneo, de Washington, e que repetiu, com modificações, na Universidade de Harvard, em 3 de dezembro de 1953. Intitulado Reflexões sobre Machado de Assis, o discurso compara Machado a Eça de Queiroz, de quem Erico era aficionado, realçando as distinções literárias de ambos, e traz pertinentes comentários à ficção machadiana.
Em outros momentos do livro, o escritor comenta a urbanização do Rio de Janeiro àquele período, escrevendo sobre “as famosas favelas”, defende políticas contra o analfabetismo e revela sua faceta mais humana e democrática ao valorizar o Instituto Interamericano do Índio e a abordar a discriminação da mulher. Também mostra temor de novas guerras e conscientização quanto aos problemas da infância, analisando que não bastava salvar as crianças latino-americanas da morte prematura, mas também de terem uma vida indigna e miserável.
A defesa da cultura em toda sua amplitude de iniciativas era, segundo o escritor, um meio de ajudar a pacificar as interações entre EUA e países da América Latina.
A desigualdade também era exposta sem constrangimentos por ele. Além de um dos mais importantes e férteis escritores do Brasil, Erico fora bancário, farmacêutico, tradutor, jornalista, editor e, naquele momento, diplomata com pulso democrático. Seus discursos revelam a posição progressista de um brasileiro nascido próximo da Argentina e o Uruguai.
O fato de ter circulado por todas as Américas levou-o a perceber melhor os efeitos da busca de poder hegemônico e produzir, após essa experiência, obras magníficas, como a pouco estudada O Prisioneiro (1967) e a narrativa atemporal e perturbadora de Incidente em Antares (1971).