
Por Abrão Slavutzky*
A primeira frase do novo livro do rabino Nilton Bonder é: “Este livro tem a intenção de ser engraçado. No sentido de ajudar a resguardar a graça a fim de que Deus nos guarde, não nos tornemos sem graça”. Aí está definido o objetivo principal de Cabala e a Arte de Preservação da Alegria, pois é triste estar sem graça, melhor é ter sentido de humor, um meio sorriso já é uma dádiva. Entretanto, ao ler no título do livro a palavra alegria fiquei surpreso. No ano de 2020, um livro sobre a preservação da alegria choca-se com o peso da tristeza. Em segundos, tive a resposta do porquê da importância da graça em tempos sofridos.
Primeiro recordei a história do Rabi Akiva, sábio do Talmud, ocorrida há quase 2 mil anos, no outono de 95. Chegou na Palestina a notícia de uma série de medidas antijudaicas que Roma havia tomado após anos de política moderada. Foi enviada uma embaixada à Roma, formada por R. Gamaliel, R. Yehoshua, R. Eleazar e R. Akiva. Quando se aproximaram de Roma, ouviram ruídos festivos, e todos começaram a chorar, menos Akiva, que se pôs a rir. “Por que ris?”, perguntaram os companheiros, e ele respondeu: “E vocês, por que choram?”. Um retrucou: “Esses pagãos romanos que se inclinam ante imagens e ídolos vivem tranquilos e em paz, quando o Templo foi posto em chamas; não haveremos de chorar?”. Akiva disse: “Por isso precisamente estou rindo, pois, se os que infringem Sua vontade estão assim felizes, os que observam Sua vontade quanto mais felizes serão!”.
Em seguida, lembrei de Maimonides e suas lições sobre a importância da alegria, bem como Baal Schem Tov, marcado pela Cabala, criou o Chassidismo – danças e músicas como forma de comunicar-se com Deus.
Convém recordar que Nilton Bonder tem feito sucesso aqui e no Exterior. Já foi traduzido em nove países, venceu o Jabuti, e sua peça A Alma Imoral está há 13 anos em cartaz. Seu novo livro tem muitas histórias, entremeadas de comentários espirituosos. A primeira parte, dedicada à alegria, é dividida em suas dimensões: Física, Emocional, Intelectual e Espiritual. Vale destacar que a segunda parte é dedicada à tristeza. Essa ocorre diante de perdas de toda ordem, sofrimentos e separações. Tristeza é importante para ser vivida, e o melhor é que não seja preservada.
Na sinagoga de Leipzig
Conto uma das histórias do livro: dois sócios de uma madeireira foram até a feira de Leipzig com a intenção de fazer negócios para sobreviver no inverno. Leipzig tinha uma sinagoga que oferecia aulas e grandes mestres que ensinavam a tradição. Um dos sócios aproveitava essas ocasiões para estudar e ficava muito contente. Em dado momento, no meio da feira, o sócio estudioso desapareceu.
O colega conjeturou sobre onde poderia encontrá-lo, e rumou o à sinagoga. Avistou o estudioso e, pela janela, falou:
— O que você está fazendo? Temos que fazer negócios.
— E o que mesmo vai acontecer se fizermos negócios na feira? – disse o estudioso.
– Ora, vamos conseguir uma boa transação comprando no atacado.
— E se comprarmos no atacado, o que vai acontecer?
— Vamos revender no varejo e vamos ganhar um bom dinheiro.
— E o que faremos com o dinheiro?
— Ora, vamos pagar nossas dívidas e sobreviver no inverno.
— E daí?
— E daí? Tá maluco? Daí vamos ficar felizes.
— Então pode pular todas as etapas, porque eu já estou feliz aqui fazendo o que gosto.
O livro é repleto de histórias, e são elas que nos convencem. A leitura é um estímulo ao sagrado da vida, o elogio da graça que enriquece a existência. Alegria é o sopro da vida, e o desafio a cada um é de como preservá-la. Não pode surpreender que o povo judeu ao longo de sua trágica história teve na fé e na alegria seus apoios essenciais.
Concluo com uma frase de Isaac Babel no conto O Rabi, em A Cavalaria Vermelha: “Qualquer idiota tem motivos para o desânimo, apenas o sábio rompe com um riso o véu da existência”.
*Psicanalista, autor do livro “Humor É Coisa Séria” (prêmio Açorianos 2014).