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Valorizar a própria história é uma forma das civilizações se manterem vivas. Na vitivinicultura, isso vai além: além de ser um negócio lucrativo, também contribui para a preservação da cultura local, em vez de modificá-la ou descaracterizá-la. Há cerca de três décadas o enoturismo tem se desenvolvido de maneira estruturada no Brasil, começando pela Serra Gaúcha e alcançando outras regiões.
Para analisar o tema, o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS) preparou uma edição especial do podcast “Vai de Vinho Brasileiro”. O sétimo episódio foi dividido em duas partes para dar conta do conteúdo a ser abordado.
A primeira parte é mais focada nas questões históricas e na compreensão de como se constroem iniciativas de enoturismo. O apresentador do podcast, Daniel Perches, recebe a coordenadora do programa de pós-graduação de Vitivinicultura do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Shana Flores, e o consultor e mentor empresarial Rodrigo Ferri Parisotto.
Os dois acompanharam o surgimento do Vale dos Vinhedos enquanto destino turístico, passando por marcos importantes como a Indicação Geográfica e a Denominação de Origem. Tais reconhecimentos chancelam a relevância de uma região sobre determinado produto ou cultura.
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– A gente pode começar a pensar no enoturismo desde os primórdios, com os romanos, que buscavam monastérios onde o vinho servia para cerimônias ou mesmo à cura, chegando às feiras agroindustriais do Rio Grande do Sul, a partir de 1900, e depois a Festa da Uva – resgata Shana Flores.
Ela ilustra que, se um enoturista voltasse no tempo, não reconheceria esses eventos antigos como enoturismo, porque eram muito diferentes do que se tem hoje. No entanto, podemos considerar que foi algo embrionário. Na Europa se tem exemplos parecidos com o que se vê no Vale dos Vinhedos já na década de 1930, como a Route des Grands Crus, em Borgonha, na França.
Evolução
No Brasil, o pioneirismo coube ao Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves. Desde o começo do século XX, as vinícolas do entorno já recebiam visitantes, mas muitas relutavam em abrir as portas para eles com um propósito voltado ao turismo. Por volta dos anos 1970, isso começou a mudar e, na década de 1990, as propriedades e indústrias da região se mobilizaram para promover uma grande transformação.
– Eu considero o [Vale dos Vinhedos] primeiro destino reconhecido [como de enoturismo] no Brasil. Destaco como pontos importantes a Indicação Geográfica, em 2002, e a Denominação de Origem, em 2012, abrangendo uma região maior, que agrega Garibaldi e Monte Belo do Sul – observa Parisotto.
Para Shana, é nesse momento que a região se torna um ícone. Ela explica que a Indicação Geográfica ajuda porque traz um mecanismo de organização e governança, fazendo com que os produtores se reúnam e projetem avanços.
Além disso, estimula outros locais próximos a fazerem o mesmo caminho, ampliando o raio de atuação do enoturismo. É o caso de Pinto Bandeira e Farroupilha, que também alcançaram a Denominação de Origem e a Indicação Geográfica, respectivamente.
A primeira parte do sétimo episódio mostra o quanto o enoturismo movimenta a economia, com geração de empregos em hotéis, restaurantes e outros serviços. O segmento também estimula a preservação histórica e cultural, já que esses traços são justamente a maior riqueza. Isso também traz alguns desafios.
– A terra que valia 30 mil reais por hectare, passa a valer um milhão. Se não tem governança regional, surge uma especulação imobiliária absurda, o produtor é tentado a vender e a gente começa a perder [as características de enoturismo] – exemplifica Parisotto.
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Futuro e inovação
Depois de falar da história, chega a hora de projetar o futuro. Na segunda parte do sétimo episódio, com lançamento dia 26/02, entram em pauta as potencialidades do enoturismo. Daniel conversa com a customer experience da Vinícola Salton, Nicole Salton, e com Rafael Carniel, na ocasião das gravações diretor-geral da Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul, que detalham serviços e experiências que chamam a atenção de visitantes de todo o Brasil e também do Exterior.
– Do Rio Grande do Sul, você pode esperar qualidade em tudo que se faz. Não somente na região dos Vinhedos, temos uma força do turismo associada ao produto. O conceito de qualidade no que o gaúcho faz sempre vem à frente – exalta Carniel.
Nicole destaca a questão da inovação como motriz do segmento, citando não apenas a própria Salton como exemplo, mas também toda a região. Além da tecnologia na produção, do campo à entrega do produto, ela ressalta que a guinada também se dá na experiência dos visitantes, com destaque para a gastronomia.
Turismo para o ano todo
Tendo como ponto alto a vindima, o enoturismo se mantém como opção interessante ao longo do ano. É aí que entram em cena todas as outras experiências que podem ser oferecidas, com entretenimento, compras, contato com a natureza e a cultura do vinho. Um dos fatores que contribuem para isso, segundo Nicole, é a qualificação dos profissionais da região.
– Isso foi desenvolvido brilhantemente ao longo dos últimos anos. Nós procuramos sempre receber as pessoas da melhor forma, tanto que desenvolvemos um material voltado à acessibilidade no enoturismo. Um material que fica não só para a Salton, mas para toda a região – exemplifica.
Além da mão de obra capacitada, a infraestrutura das cidades vem se aprimorando. A diversificação de restaurantes e escolas gastronômicas é um sinal disso – antes era mais restrito à cozinha italiana. A hotelaria também ganhou novidades importantes, conciliando grandes redes com estabelecimentos focados na experiência ou em um ambiente mais intimista.
Todas essas questões são debatidas no podcast “Vai de Vinho Brasileiro”, produzido em parceria com a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do Rio Grande do Sul (Seapi), com apoio da Sicredi e do Sebrae. O conteúdo completo está disponível no YouTube do Consevitis-RS.