
A conquista de Ainda Estou Aqui, que levou o Oscar de melhor filme internacional neste domingo (2), deve mudar o patamar do cinema nacional e alavancar as carreiras dos artistas envolvidos na produção.
A afirmação é de especialistas consultados por Zero Hora. Uma delas, a pesquisadora de obras de Walter Salles e professora de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP Cyntia Calhado, acredita que a visibilidade internacional de Ainda Estou Aqui no Oscar deve trazer para o Brasil mais parcerias estrangeiras — tal qual o longa premiado, que é uma coprodução com a França.
— O Oscar não é um fator isolado. É a coroação deste bom momento do cinema brasileiro. O Brasil vai ser o país de honra, neste ano, na área de mercado do Festival de Cannes. Então, abre uma possibilidade muito grande para parcerias internacionais nos próximos anos. E espero que esse Oscar se traduza em público brasileiro para o nosso cinema — enfatiza Cyntia.
Fortalecimento de coproduções
O presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), Daniel Rodrigues, observa que, ao longo da história, as produções nacionais já tiveram grande afeição junto ao público, mas que a relação esfriou com o passar do tempo. Por isso, poucos títulos são realmente consumidos pelos brasileiros, em comparação com tudo que é realizado no país.
— Espero que o interesse do público brasileiro por seu cinema ganhe força para uma mudança maior, permanente. Essa repercussão aumenta a credibilidade diante de outros países, tendendo a fortalecer as coproduções com países como França, Alemanha e Inglaterra, que são polos produtivos pujantes. Isso deve fomentar uma maior procura de produtoras estrangeiras junto às produtoras brasileiras — projeta Rodrigues.
Aceno para o mundo
O audiovisual é o principal mecanismo de promoção de territórios, acredita o cineasta Zeca Brito, diretor de Legalidade (2019). Ele pontua que Ainda Estou Aqui projeta não apenas as belezas naturais do Brasil, mas um país disposto a contar sua história, fazendo justiça com sua população e sua memória.
— Isso tudo projeta uma credibilidade que resulta no desenvolvimento, na atração de investimento para o nosso país. É a credibilidade que a nossa democracia passa ao olhar para o passado com visão crítica. E também um aceno para o mundo sobre o nosso estágio civilizatório. O filme vai ajudar o Brasil a ser levado a sério pelo resto do mundo — acredita Zeca.
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Selton Mello fará novo "Anaconda"
O primeiro a sentir o impacto de Ainda Estou Aqui foi Selton Mello que, durante a campanha do filme no Oscar, foi chamado para fazer uma nova versão de Anaconda em Hollywood. Ele atua ao lado de nomes como Jack Black e Paul Rudd. Este tipo de internacionalização deve se expandir para outros envolvidos no longa nacional — e para a indústria brasileira como um todo.
Para Rodrigo Oliveira, crítico de cinema e editor da revista digital Almanaque21, Ainda Estou Aqui se tornou um marco para o cinema brasileiro.
— A partir do momento em que a gente ganha um prêmio como esse, vem junto o reconhecimento internacional. Vamos ver os atores e a equipe por trás das câmeras conseguindo trabalhar mais lá fora. E, com toda certeza, veremos a Fernanda Torres em filmes internacionais, porque ela está muito aberta a isso — conta Oliveira.
Fernanda Torres preparada
O crítico de cinema reforça que, quando Fernanda Montenegro foi indicada ao Oscar por Central do Brasil, em 1999, projetava-se que isso fosse abrir uma carreira internacional — porém, a atriz não se mostrava interessada. Torres, por sua vez, sempre esteve inclinada a transitar entre países com o seu trabalho, inclusive aprendendo outras línguas para estar preparada.
— Ela está com a cabeça muito boa para uma carreira internacional. E está, realmente, aberta a isso. Ela já falou sobre fazer um papel em 007, na série Ruptura... E disse que não separa a carreira internacional da nacional. Isso é muito bacana, porque não vai fechar as portas para o Brasil, enquanto portas estarão abertas para o Exterior. Acho que ela só não anunciou nada ainda porque estava com a cabeça no Oscar, mas imagino que ser convidada para projetos no Exterior ela já foi. Deve estar na mira de muita gente — acredita o editor da Almanaque21.
Zeca Brito acredita que a trajetória da atriz já era brilhante antes da projeção dada pelo Oscar e que agora ela deve conseguir ajudar a projetar o cinema brasileiro como um todo.
— A indústria precisa, ainda, ser respeitada dentro do país. Então, acho que essa premiação do Ainda Estou Aqui é um recado também para essa engrenagem industrial. É um filme independente que se vale deste modelo de fazer cinema no nosso país e que consegue ganhar de produções do streaming, como Emilia Pérez. Temos um recado aí de que precisamos regulamentar o streaming no país, porque esse cinema independente brasileiro é feito a partir dos tributos que são recolhidos pela própria indústria. E, infelizmente, no país, hoje, os streamings não contribuem com essa indústria — finaliza Brito.