Pelo terceiro ano consecutivo, o Festival de Cinema de Gramado promove a mostra competitiva de longas gaúchos. Este ano, há três filmes no páreo: Cavalo de Santo (Porto Alegre), de Mirian Fichtner e Carlos Caramez, que será exibido na sexta-feira (13); A Colmeia (Porto Alegre), de Gilson Vargas, no sábado (14); e Extermínio (Cachoeira do Sul), de Mirela Kruel, no domingo (15). Vale ressaltar que o longa gaúcho A Primeira Morte de Joana integrará a mostra nacional.
O curador, Leonardo Bomfim, frisa que a mostra já tem uma tradição de apresentar ficções importantes de realizadores em primeiro e segundo longa: nos anos anteriores, foram apresentados filmes de Emiliano Cunha, Lucas Cassales, Bruno de Oliveira; e agora A Colmeia, de Gilson Vargas (seu segundo longa). Por outro lado, o documentário também ganha vigor.
— Um recorte é o panorama de documentários, impulsionado no último ano pela Lei Aldir Blanc, que ajudou a viabilizar produções mais enxutas e independentes — destaca. — No ano passado, o filme vencedor foi o Portuñol, da Thaís Fernandes. Então, a mostra acaba sendo também um espaço importante para a estreia de obras documentais produzidas aqui.
Neste ano, a premiação da mostra passa a se chamar Prêmio Sedac/Iecine de Longas-Metragens Gaúchos. Trata-se de uma parceria da Gramadotur, autarquia municipal responsável pelos eventos da cidade, com a Secretaria de Estado da Cultura, por meio do Instituto Estadual de Cinema (Iecine).
O Estado repassará R$ 118 mil para a distribuição de 14 prêmios dedicados aos realizadores locais. São 10 novos kikitos distribuídos nas seguintes categorias técnicas: melhor filme, melhor direção, melhor roteiro, melhor ator, melhor atriz, melhor direção de fotografia, melhor direção de arte, melhor montagem, melhor desenho de som e melhor trilha musical. Cada categoria receberá R$ 5 mil. Já o melhor longa gaúcho em competição receberá o prêmio de R$ 10 mil.
Também será concedido o Prêmio Leonardo Machado a artistas e realizadores pelo mérito de suas trajetórias no audiovisual do Rio Grande do Sul, com a quantia de R$ 15 mil. Ainda haverá o Prêmio Novas Façanhas, que contemplará três realizadores, técnicos ou coletivos por sua contribuição à inovação e ao desenvolvimento técnico e de linguagem do audiovisual no Estado. Cada um levará R$ 10 mil.
Os três filmes da mostra serão exibidos no Canal Brasil, a partir das 21h30min, de sexta a domingo. Depois, estarão disponíveis, de 16 a 21 de agosto, nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay + Canais ao Vivo.
A seguir, as duas realizadoras e o realizador que participam da mostra apresentam os seus filmes.
A Colmeia, por Gilson Vargas
É um filme de gênero, que flerta e trabalha nesse espaço do cinema de suspense, thriller e terror. Mostra a história de um grupo de oito pessoas, que vivem em uma casa isolada, no interior do RS, no Vale do Caí, no final da Segunda Guerra. Usa como pano de fundo a história daquele momento para nos mostrar uma situação de conflito e medo.
Acho que é um filme sobre o colapso: das relações afetivas, de uma ética possível nessas relações, do diálogo e da empatia. Portanto, é um filme de época, mas que fala muito sobre temas atuais e das dificuldades que se vive nas relações sociais ou familiares.
A história aborda um casal de gêmeos, Christoffer (João Pedro Prates) e Mayla (Andressa Matos), que pensa em viver além das fronteiras daquela casa e ambiente colonial que circulam. Esse grupo de oito pessoas tem grande dificuldade de se prover, está sempre em dificuldade da fome e da subsistência. Como isso não bastasse, eles têm que conviver com uma opressão invisível, que não é mostrada no filme, mas que é percebida. Temos no filme um grupo amedrontado. Mas esse grupo oprimido também se torna opressor, promovendo uma escalada de violência.
Nenhum dos oito tem a noção do todo. Cada um tem a visão fragmentada daquela realidade que se vive, e essa visão muito parcial é justamente o esfacelamento dessas relações. Os diálogos não são francos, são muito codificados e se vive uma vida muito lacônica, de se falar pouco e acumular segredos.
Extermínio, por Mirela Kruel (ela concorre também na mostra de curta gaúcho com Depois da Meia Noite)
Meu primeiro longa foi "O Último Poema". Este, com muito suor, é meu segundo. Foi realizado sem nenhum recurso público. Todo o filme foi construído com os meus recursos, toda a produção foi bancada por mim. Tive muitos parceiros queridos nesse filme. A equipe técnica abraçou a ideia de "Extermínio" comigo.
O longa faz uma reflexão sobre a história das mulheres trans do interior do Brasil, especificadamente de Cachoeira do Sul, que fica na depressão central do Rio Grande do Sul. Por lá, houve o assassinato da trans Nickolle Rocha, aos 19 anos. Ela havia sido eleita Miss Diversidade de Cachoeira do Sul e Miss Simpatia da Diversidade do Rio Grande do Sul. Nickolle foi espancada até a morte por dois adolescentes no parque da Fenarroz, no centro da cidade. Esse é o ponto de partida do filme para a gente falar sobre as dificuldades que as mulheres trans têm para viver no interior do Rio Grande do Sul. Falamos de auto hormonização, da violência, das questões ligadas às profissionais do sexo travestis, de amor, de sonhos, de intolerância e de preconceito.
Uma coisa muito importante do filme é que ele traz o depoimento da mãe e do pai da Nickolle Rocha. Dois depoimentos muito comoventes, principalmente o do pai. A gente escuta poucas vezes a fala do pai de uma mulher trans. Ele carrega uma dor enorme e uma saudade.
É sobre o extermínio simbólico que o Brasil hoje vive no seu extremo, pois é o país que mais assassina mulheres trans no mundo. Eu quis fazer "Extermínio" porque é um tema que me incomodava muito. Há uma glamourização no cinema muito forte dessas performers, dessas cantoras, mas me parecia que havia uma lacuna para falar sobre a vida real dessas mulheres trans que são pobres e estão no Interior, que não atingem esse estrelato.
Cavalo de Santo, por Mirian Fichtner
O projeto começou em 2005, quando vi uma notinha do jornal O Globo relatando a tabulação do IBGE sobre as religiões afros no Brasil, apontando o Rio Grande do Sul como o Estado com maior número de adeptos e terreiros. Há duas décadas, dados do IBGE apontam o crescimento e a expansão das religiões afro em todas as regiões do Estado. Em 2011, a Fundação Getúlio Vargas apontou Porto Alegre como a capital da religiosidade afro brasileiro. O projeto do livro "Cavalo de Santo" foi lançado naquele ano. Quando esgotou, tivemos a ideia de fazer o filme para dar protagonismo e voz aos personagens. Mostrar um lado da cultura gaúcha que não é reconhecida como a cultura oficial do Estado, que é desconhecida dos próprios gaúchos. O documentário apresenta uma África que nos habita. O gaúcho é também um batuqueiro.
O público encontrará a exuberância das religiões afro-gaúchas, a sua ancestralidade, a fé e a beleza dos seus rituais, costumes, culinária, música e luta para manterem vivas suas tradições. O documentário revela a importância da presença negra e das religiões afro na formação cultural dos gaúchos. Além de colaborar para diminuir a intolerância e o preconceito que cercam o tema.