
Cubismo, a representação de um elemento por várias perspectivas e com superfícies fraturadas no mesmo plano, é um conceito associado mais comumente às artes visuais, e é notório que o cinema do século 20 foi uma grande inspiração para o desenvolvimento dessa linguagem pictórica por Pablo Picasso e Georges Braque. Não tardou para que o cinema experimental, na pessoa de Hans Richter ou Fritz Lang, fechasse o círculo e produzisse algo semelhante com a montagem. É um pouco a isso que se propõe o argentino La Forma de las Horas, exibido nesse domingo em Gramado na mostra competitiva de longas estrangeiros.
Dirigido por Paula de Luque, autora de Juan e Evita, La Forma de las Horas é estrelado por apenas dois atores, Julieta Díaz (atriz com atuação em muitas comédias românticas argentinas) e por Jean Pierre Noher (consagrado em Gramado em 2001 com Um Amor de Borges e conhecido do público brasileiro por participações em novelas como Avenida Brasil e Flor do Caribe). Eles vivem Ana e Fernando, um casal que se separou há um ano e que se reencontra em sua antiga casa de veraneio para separar fotos e levar itens pessoais antes da venda do imóvel.
Quem conta a história, dividida em 10 segmentos, é Ana, uma escritora, e cada nova seção começa com a atriz escrevendo o início de um relato sobre as 24 horas do reencontro. Cada início, diferente, detona uma reorganização da narrativa em perspectivas diversas, com cenas que se espelham e se repetem.
— Esta frase até está no filme. Há uma teoria de que o tempo não é uma linha contínua, e sim uma espiral, e por isso quis organizar o filme como essa espiral, oferecendo vários pontos da mesma história como um quebra-cabeça que cabe ao espectador montar. Quando me perguntam qual é a verdadeira linha do filme, eu mesmo não sei, isso cabe a cada um montar a sua — disse a diretora no debate sobre a produção, na manhã desta segunda.
La Forma de las Horas não é apenas uma peça de câmara, mas um experimento cinematográfico de guerrilha. O filme foi produzido sem nenhum recurso de financiamento público devido aos recentes cortes no financiamento cultural argentino que levaram à paralisação geral do INCA, o Instituto Nacional de Cinema de Argentino, a Ancine deles. Isso pautou a própria realização do projeto, encenado num único set e filmado ao longo de uma única semana.
Apesar das dificuldades, o filme tem um visual que, em seu minimalismo, não traduz a penúria do orçamento, com uma fotografia luminosa e lavada, como a de fotos desbotadas, ajudando a compôr o clima de volta ao passado dos seus dois personagens. A química do casal em cena é sólida, mas a própria proposta da produção talvez venha a afastar um público maior. La Forma de las horas não é um simples exercício de narrativa não linear, é um poliedro radical exaustivo.