Na primeira metade do século 19, o Menino Deus era um “aprazível local de veraneio”, onde a juventude “desfilava, com apuro e galhardia, exibindo as vestes domingueiras em espontâneos desfiles de beleza e elegância”. A descrição é de Francisco Riopardense de Macedo, no livro Porto Alegre – História e vida da cidade. Mas quem se atrevesse a percorrer as estradas poeirentas que conduziam até o mais antigo arraial da Capital se depararia com um “cerrado e escabroso mato, gravemente desabitado”, que se estendia até o “sopé de um cerro”, relatou outro cronista, Ary Veiga Sanhudo, em Porto Alegre: Crônicas da minha cidade.
A abertura da capela com estilo gótico, na esquina da Rua Caxias (atual Avenida José de Alencar) com a Rua Santa Tereza (posteriormente Rua Menino Deus, depois Rua 13 de Maio e, hoje, Avenida Getúlio Vargas), na noite de Natal de 1853, deu impulso ao arrabalde, que passou a atrair um contingente expressivo de pessoas vindas de outras paragens da cidade. A cada fim de ano, os festejos religiosos se iniciavam com a Missa do Galo (24 de dezembro) e se prolongavam até a Noite dos Reis (5 de janeiro). Outro fator de agregação era a procissão dos Navegantes (2 de fevereiro), que tinha a capela do Menino Deus como ponto de partida (na década de 1870, a festa foi transferida para o bairro Navegantes, na zona norte da Capital).
Nos primeiros tempos, o acesso ao Menino Deus se dava, principalmente, por barcos que seguiam pelo Guaíba até aportar no Caminho das Belas. Por terra, o caminho até a Rua da Imperatriz (atual Venâncio Aires) ficava amiúde obstruído em dias de aguaceiro. Frequentemente, a ponte de madeira sobre o Arroio Dilúvio precisava ser reconstruída devido à força das águas do riacho. Em 1º de novembro de 1864, entrou em operação a Maxambomba (corruptela da expressão machine pump, ou “bomba de máquina” em inglês). Apontado por alguns historiadores como o primeiro trem urbano da América Latina, também foi adotado em outras capitais brasileiras (como Recife), onde consistia em uma pequena locomotiva, com cabine descoberta, que puxava dois ou três vagões.
Mas, ao que tudo indica, a Maxambomba da linha do Menino Deus era puxada por burros. Achylles Porto Alegre, em História popular de Porto Alegre, faz menção a “um veículo que, de vez em quando, parava para dar descanso aos animais, que iam pondo a alma pela boca”. Seja como for, ao final da viagem, o passageiro sentia-se quase morto: “Doía-lhe o corpo todo desde os pés à cabeça, como se houvesse levado uma camaçada de pau”. O certo é que as viagens eram lentas e acidentadas. Em 1881, um dos “expressos” da Companhia Carris Porto-Alegrense, ainda de tração animal, teria partido às 18h da Praça da Alfândega para chegar à meia-noite ao fim da linha do Menino Deus.
Com o aparecimento do bonde elétrico, em 1908, o bairro passou a atrair famílias de hábitos sofisticados, que frequentavam o Teatro Félix da Cunha, ao lado da igreja, e o Prado Rio-Grandense (depois Parque de Exposições Menino Deus e atual sede da Secretaria Estadual da Agricultura), entre as ruas Botafogo e Saldanha Marinho, onde, além de corridas de cavalos, se realizavam as “cavalhadas”, celebrações lusitanas inspiradas em torneios medievais nos quais se simulava a luta entre cristãos e mouros.
Como prova de prestígio, a igreja do bairro ganhou de presente o relógio esmaltado em branco, que antes, por muitos anos, estivera assentado sobre a torre direita da antiga Matriz, no centro da cidade. Marca do desapego dos porto-alegrenses em relação a sua própria história, a capelinha gótica do Menino Deus foi demolida para dar lugar a um santuário de arquitetura moderna, em 1976.