
Em 1935, a família Schmeling festejou o Natal de casa nova. A construção despontou solitária no alto da colina do bairro Petrópolis, na época uma região predominantemente rural da Capital, com economia baseada em plantação de agrião, criação de gado e tambos de leite.
Nove anos antes, Wolfgang Hugo Schmeling havia sido motivo de gozação de colegas da Casa Krahe, uma das principais lojas de departamento de Porto Alegre no século passado, quando revelou a aquisição de cinco lotes da empresa Schilling Kuss na Rua Donna Ignez, hoje denominada Vitor Hugo, localizada atrás da caixa d’água da atual praça Mafalda Verissimo.
— Perguntaram qual era o sentido de construir em cima de um morro pelado. Ele respondeu que, se estavam fazendo uma caixa d’água, é porque tinha gente indo morar lá — conta Rolf Schmeling, de 71 anos, o mais novo dos quatro filhos do pioneiro de Petrópolis.
Nascido na antiga Prússia (em área hoje pertencente à Polônia), em 1897, Wolfgang desembarcou no Brasil em 1909. Por muito tempo, trabalhou como caixeiro-viajante. Montado no lombo de um jumento, que chamava de Major, subia a Serra em direção a Canela e adjacências com o mostruário dos artigos da Krahe, principalmente material escolar, guardado na mala.

— Nunca teve automóvel. Aliás, nem cavalo aguentaria o tirão. Naquele tempo, não existiam estradas, só trilhas. Ele subia devagar, atendendo as colônias alemãs no caminho — relata Rolf. Wolfgang cumpriu o ritual de lançar a pedra fundamental da futura residência em 20 de outubro de 1934.
Uma “cápsula do tempo” com jornais e moedas da época, além da ata da reunião com as assinaturas dos presentes, foi enterrada dentro de uma caixa de cimento (mais tarde roubada em meio à demolição do imóvel). Quando a última telha foi encaixada, em novembro de 1935, os Schmeling promoveram a festa da cumeeira, indicação de que a habitação estava quase pronta.
Rolf guarda com carinho a recordação das festas de São João, com fogueira armada na frente da casa. O pai botava uma mesa grande na calçada para servir à vizinhança pinhão, pipoca e quentão. Outra alegria da infância era, no fim da linha do bonde Petrópolis, ajudar o motorneiro a virar o encosto dos bancos e hastear o cabo de conexão com o fio aéreo de eletricidade na outra extremidade do vagão. Em 1970, quando a Capital se despediu dos veículos elétricos, o rapaz acompanhou a derradeira viagem com um gravador de rolo para registrar o barulho do bonde sobre os trilhos, especialmente as “cantadas” produzidas nas curvas.

Com 12 netos e 14 bisnetos, Wolfgang morreu em 4 de agosto de 1992. A residência foi demolida em 2012 para dar lugar a um edifício de oito andares. Rolf só aceitou o negócio com a condição de ficar com o material original da construção. Parte foi usada pelo artista plástico Helio Fervenza na instalação A Função do Ontem, exibida nas bienais de São Paulo e Veneza.
— Imagina o orgulho do pai se estivesse vivo. Nunca fez fortuna, ganhava três salários —mínimos por mês, mas construiu uma casa bonita que, para ele, foi a maior conquista na vida.
Rolf está utilizando o que restou de tijolos, pedras-ferro e venezianas para construir uma casa nova, que espera inaugurar até a metade deste ano, no bairro Nonoai, na zona sul da Capital.
— Igualzinha é impossível fazer, mas parecida, sim. Quando ficar pronta, te convido para tomar um cafezinho lá — conclui Rolf.