Por Lucas Peterson
Minha instrutora, uma mulher chamada Áine, me instigou: "Vai lá, capriche pelo seu país!". Eu fazia parte de um grupo que comprara o pacote para se familiarizar com os jogos irlandeses tradicionais através da Experience Gaelic Games (35 euros, cerca de US$ 42); era uma tarde quente e estávamos em um campo verde no norte de Dublin.
Áine, depois de já nos ter mostrado como funciona o hurling, esporte semelhante ao lacrosse que talvez seja tão velho quanto a própria Irlanda, agora nos ensinava as manhas do futebol gaélico, disputado com a bola redonda. Minha missão: dominá-la nos pés e correr rumo às traves ao mesmo tempo, tentando encaixá-la lá dentro, na parte superior. Só pensei no quanto meu país ficaria decepcionado.
Consegui dar uma levada na dita cuja e continuei correndo. Meio sem jeito, acertei-a com o peito do pé; não sei como, consegui manter o controle, aí corri mais uns passos e… dei um chutão à esquerda das traves. Ela foi parar no campo ao lado. Áine foi gentil no comentário. "Bom, talvez você seja melhor de canhota", provocou.
No gramado onde a minha bola foi parar, o amador Conor McHugh calmamente chutava, marcando um gol atrás do outro, de pelo menos trinta metros de distância. Discretamente recolhi a pelota, torcendo para que o orgulho nacional não ficasse muito ferido com o meu desempenho pífio.
A bela capital da Irlanda tem teatro, literatura e música exalando pelos poros. É o lugar perfeito para os especialistas em cultura e história, sem contar os que apreciam esportes nacionais esquisitos e violentos. A cidade, porém, é vítima de seu próprio sucesso: como não foi projetada para receber hordas de turistas, pode oferecer entraves para os visitantes, principalmente em relação a custos. (Até a população local tem dificuldade com os aluguéis.) Seus hotéis são ridiculamente caros durante a alta temporada de verão, e o sistema de transporte público pode ser complicado. A sorte é que há algumas formas de reduzir o fardo financeiro da viagem ao maior centro urbano da Ilha Esmeralda sem com isso sacrificar a diversão.
— Ashtown? Como você foi parar tão longe? — perguntou Tony, meu taxista.
O município, a noroeste de Dublin, não era a localização ideal para o meu Airbnb, mas a uma diária de apenas US$ 72 em um quarto limpinho na residência de um casal jovem, não deixava dúvidas em relação à alternativa, ou seja, um investimento de centenas de euros em um quarto de hotel no centro. Comentei que tudo o que tinha visto ali era muito caro e ele concordou.
— Está difícil até para viver aqui.
Na verdade, a única consequência da localização das minhas acomodações era ter que me familiarizar com o sistema de ônibus e do veículo leve sobre trilhos (Luas). Uma vez feito isso, levei só vinte minutos para chegar ao centro a partir da estação Broombridge. Comprei um cartão Leap Visitor, válido por três dias, por 19,50 euros, o que permite o uso ilimitado do transporte público nesse intervalo, incluindo o ônibus Airlink, que vai para o aeroporto e passa pelo centro.
Desci na Tara Street, perto da George's Quay, às margens do rio Liffey. Havia uma atividade intensa perto da estação, e um forte clima de expectativa nos passantes. Antes que eu desse mais que dez passos, uma jovem se aproximou, com um adesivo onde se lia: "Eu já votei; e você?". Depois de um tempo percebi do que se tratava: era o dia do referendo para derrubar a antiga proibição do aborto – que, aliás, conseguiu seu intento. Depois de comprar um café preparado com grãos importados de Burundi, coado na hora no Shoe Lane Coffee (2,70 euros), saí para dar uma espiada nas redondezas a pé, rumando na direção do Spire (monumento muito útil caso você se perca) antes de pegar o calçadão de compras da Henry Street.
Uma loja de smartphones era parada obrigatória; assim, fui à Three, localizada onde a Henry Street se torna Mary Street (as ruas mudam muito de nome em Dublin, é bom ficar esperto) e fiquei surpreso — e aliviado — ao perceber que a tecnologia móvel é uma das poucas coisas na Irlanda que podem ser consideradas pechincha. Por vinte euros, comprei um cartão SIM sem limite de dados dentro do país e 6 GB no resto da Europa.
Música
Tranquilo ao me saber capaz de me comunicar sem graves consequências/gastos, voltei minha atenção a aproveitar a cidade, principalmente os músicos de rua. Embora o filme de 2007, Apenas uma Vez, tenha dado destaque internacional a essa forma de arte, músicos tocando e cantando para comprar o jantar é tradição antiga. Atualmente, ao caminhar pelas ruas do centro, nota-se uma diversidade considerável: um jovem boliviano, Williams Erick Ortiz, cantando em espanhol; Minkyu Jo fazendo covers do Coldplay. Já quase no fim da Grafton Street, área mais popular de encontro dos músicos, deparei com um adolescente talentoso, Buzz Apollo, tocando uma seleção de rock meio deprê.
Para quem prefere curtir música em ambiente fechado, The Cobblestone se descreve como "um pub bebedor com um problema musical" – o que não significa dizer que seja excessivamente formal ou restrito. Quando entrei, havia dois violinistas no canto, à minha esquerda, entretidos em um desafio, enquanto batiam papo e bebericavam de copos onde havia um líquido de cor âmbar.
Houve uma apresentação especial por conta do Dia da Bretanha, para celebrar os nativos da região na Irlanda, na noite em que lá estive (10 euros), e tive a oportunidade de ver o Bal Feirste interpretando canções irlandesas e bretãs. (Fiz uma tentativa de aprender a dança tradicional, na melhor das intenções, com que pelo menos uma dúzia de pessoas estavam engajadas perto do palco... mas não fui lá muito bem-sucedido.)
Teatro
Se o teatro é mais a sua praia, a terra natal de Shaw e Beckett é, sem dúvida, irresistível. Assisti a um espetáculo novo, My Son My Son, de Veronica Dyas, no Project Arts Centre, no Temple Bar, bem no centrão (14 euros). Embora algumas referências tenham me passado batido, a peça, em fortes tons políticos, conta a vida de uma mãe solteira em The Liberties, um bairro operário por excelência de Dublin, com atuações brilhantes.
No Teatro Abbey, a 10 minutos dali, do outro lado do Liffey, vi uma produção fantástica de The Rehearsal, Playing the Dane, de uma companhia visitante, a Pan Pan. Embora alguns detalhes modernos tenham me parecido meio toscos e vulgares – quem achou que mostrar Hamlet no espaço era uma boa ideia? –, a peça nos força a pensar na linguagem flexível de Shakespeare.
Um ator falando ao público sobre o famoso monólgo do Primeiro Ato – "Oh, se esta carne sólida, tão sólida, se esfizesse" – nos informou que a palavra "sólida", dependendo da edição que se lê, pode aparecer como "maculada", ou mesmo "atacada", dando à frase significados completamente diferentes. Brincando com essa liberdade, os atores da companhia "fazem testes" para o papel de Hamlet, em um processo que pode ir de hilário a meio assustador. O público então sobe ao palco para votar no favorito. (A minha escolha, Anthony Morris, ganhou por uma margem mínima.)
História e cultura
Quem se interessa por história também encontrará muita coisa para fazer. Eu participei de um tour com a Historical Walking Tours of Dublin (12 euros) e fiquei impressionado com o conhecimento de nossa guia, Sylvie. O passeio, que define o século 18 como período crucial para o país, começou no Trinity College antes de seguir lentamente para as áreas antigas onde se localizam a Câmara dos Lordes e o Temple Bar. Aprendemos, entre outras coisas, por que a língua irlandesa, embora talvez nunca mais volte a ser usada amplamente, não será extinta graças a uma série de iniciativas cívicas e públicas para protegê-la.
Uma visita à cidade tem que incluir um passeio dentro da Trinity College, criada pela rainha Elizabeth em 1592, já que é a universidade mais antiga do país. A Old Library (Biblioteca Antiga) abriga inúmeros manuscritos de valor e respeito, sendo o mais famoso a coleção de Evangelhos do Novo Testamento conhecido como o Livro de Kells (ingresso, 14 euros). Dois deles, o de João e de Lucas, estavam em exposição quando lá estive, e a mostra faz um ótimo trabalho ao explicar a história e importância dos volumes, criados por volta de 800 d.C.
A Long Room ("Salão Comprido") é, sem dúvida, uma das atrações locais mais impressionantes. A biblioteca épica, com teto abobadado, mais de 60 metros de comprimento e quase quinze de altura, armazena pelo menos 200 mil livros, enfileirados lado a lado, ordeiramente, nas prateleiras de madeira que cobrem as paredes. É um lugar mágico, imperdível para quem é apaixonado por livros; dá até para (quase) sentir o espírito de Oscar Wilde ali ao lado.
Para uma visão diferente – mas não menos importante – da história irlandesa, dê um pulo na Kilmainham Gaol, cadeia do condado que abrigou, entre outros, várias gerações de prisioneiros políticos, de 1796 até seu fechamento, em 1924, depois da Guerra Civil Irlandesa. Quem se interessar em conhecê-la por dentro tem que fazer reservas com bastante antecedência, já que as vagas se esgotam rapidamente, como aconteceu comigo, quando passei por lá uma tarde.
Mesmo sem fazer o tour, dá para ver bastante coisa da estrutura que, para muitos, continua sendo o símbolo da opressão inglesa. Um museu exibe os documentos de registro da prisão de líderes nacionais como Charles Parnell e Michael Collins, reservando uma sala para a exibição de pichações originais feitas pelos presidiários e soldados.
O Museu Irlandês de Arte Moderna, ali perto, vale uma visita se você estiver na área. A entrada é através de um caminho longo, cercada de muito verde. Há exibições pagas, mas descobri que as áreas gratuitas eram mais que suficientes para me manter interessado. Só as pinturas da série "Donegal Man", de Lucian Freud, já valeram a visita, assim como "Language and Space", de Brian O'Doherty, que reúne desenhos intricados inspirados na linguagem celta.
Comida e bebida
Porém, nenhuma visita a Dublin pode ser concluída sem uma refeição completa e um copo de uma das melhores cervejas da Irlanda. Para a primeira, recomendo o Pickle, especializado na culinária do norte da Índia, que oferece um excelente cardápio de jantar por 22 euros. Para quem quiser ir a fundo na história da segunda, a imensa Guinness Storehouse é escolha óbvia. Apesar de lembrar muito um parque temático, se você relaxar e mergulhar no clima animado, é uma ótima pedida. Comprei o ingresso online por 17,50 euros, o mais barato das opções para lá de dinâmicas, e achei o preço um tantinho salgado demais para o que oferece. Mas você ganha um copo de cerveja de cortesia, que tomei apreciando a bela vista da cidade proporcionada pelo Gravity Bar, no sétimo andar.
Mas por que pagar tanto? A cerveja também é servida bem gelada no Dice, um bar de esquina divido em cabines de couro já gasto e uma atmosfera acolhedora. Pedi um copo da D'Arcy's Dublin Stout por 4,80 euros. Josh e Keith, que acabara de conhecer, me levaram ao Grogan's Castle Lounge onde, acompanhados de pelo menos umas outras cem pessoas, conversamos e bebemos na rua mesmo. Depois de uma maratona que incluiu The Bar With No Name e o Garage Bar, desabamos na mesa do Zaytoon, um restaurante de fim de noite lotado, considerado meio que o Santo Graal para os beberrões locais. Eu degluti um kebab de frango e carne de cordeiro de 7,50 euros de bom grado, permitindo que os molhos fortes e as especiarias absorvessem o excesso de álcool no meu organismo.
A comida era boa, e ficou ainda melhor na companhia dos dois amigos que fiz ali e da animação da muvuca da madrugada. E depois de um longo dia explorando a capital irlandesa, cheguei à conclusão de que a cidade é interessante e bem divertida, ainda mais sabendo que consegui manter os gastos no mínimo possível.