É difícil saber exatamente quantas cachoeiras existem na lateral da montanha em um canto remoto do sudeste do Haiti. Da minha perspectiva, em uma encosta próxima, eu contei pelo menos uma dúzia, e isso foi no final da estação da seca do ano passado. A estação das chuvas na primavera, me contaram, insere uma na Catarata Pichon.
À distância, parece impossível chegar às cataratas. Durante a jornada até lá, certamente parecia impossível. Tínhamos viajado durante sete horas a partir de Porto Príncipe - e talvez duas dessas horas foram em estrada pavimentada. O restante da viagem foi em cascalho, leito seco de rio, planícies aluviais e subidas íngremes. Um lado da suposta estrada muitas vezes era um penhasco.
O último meio quilômetro, ou algo assim, parecia intransponível devido à subida íngreme, ao solo irregular, os ziguezagues estonteantes e a falta de grades de proteção para evitar que alguém fosse lançando no ar. Duvidei que uma mula firme poderia fazer isso acontecer, mas o motorista não hesitou quando ligou o motor e jogou o caminhão em marcha lenta. Nós derrapamos e desviamos e sacudimos no nosso caminho até o topo, onde, durante a década de 70, Baby Doc Duvalier pisou e contemplou as cataratas, declarando-as um dos maiores destinos turísticos do Haiti. Com certeza, ele chegou lá de helicóptero.
Eu tive de concordar com o ditador nessa questão, no entanto: as quedas d'água são espetaculares.
Elas são alimentadas por um lago subterrâneo no topo da montanha, e explodem a cada poucos metros, assim como muitas torneiras totalmente abertas. Subimos até as cataratas, com o cuidado de abrir caminho para as vacas ocasionais descendo a ladeira e um garoto aparentando ter talvez 10 anos. Na parte inferior das quedas fica um vale verdejante que se torna um lago quando as chuvas se tornam abundantes na primavera e no outono.
Descobri as cataratas durante uma viagem relatório narrando os esforços voluntários entre os haitianos que estão organizando os seus próprios grupos de serviço comunitário. Isso me trouxe a esse local remoto de um país cuja beleza foi devastada ao longo dos anos por desastres - naturais, econômicos e políticos. O terremoto que o atingiu há quatro anos foi uma combinação das três coisas, causando danos de bilhões de dólares e milhares de mortes, rapidamente seguido por um surto de cólera que já matou milhares mais, e uma eleição presidencial que provocou protestos violentos. A ideia de que a natureza poderia ser usada a favor do Haiti dessa vez criou raízes novamente entre as entidades sem fins lucrativos e as autoridades que estão buscando posicionar o país como um destino do ecoturismo.
Um empresário local astuto, na esperança de realizar o sonho de Duvalier, há alguns anos, construiu o Hotel Deruisseau de um andar, em uma planície de frente às cataratas. Hospedei-me lá, embora eu o descreveria mais como um "espaço para dormir" do que um hotel: o quarto tinha uma cama, uma mesa de cabeceira e uma lâmpada em cima, tudo atrás de uma porta que não iluminava muito a cama. Havia um local para tomar banho no banheiro comum, mas nenhum chuveiro - apenas um cano que jorrava água fria, como uma das pequenas cascatas. Água quente era um luxo que você tinha de ficar sem.
A eletricidade do gerador era desligada às 22h, mas quando eu me deitei na cama, tudo o que eu podia ouvir eram as cataratas - o maior ruído branco de todos os tempos. Acordei com um café da manhã com macarrão simples, alface, e Doritos (extra queijo), preparado pelos locais que nos serviram em uma área da reunião comunitária (concretada e com telhado de metal) a aproximadamente 15 metros do hotel. Logo abaixo do local, existe uma comunidade que tinha perdido cinco pessoas para a cólera alguns dias antes da minha chegada. Havia duas galinhas recém-depenadas em um balde no canto de uma sala. O jantar.
Os meus colegas hóspedes não eram turistas. Eles eram médicos e enfermeiras haitianos que construíram uma clínica nas proximidades (bem na frente do vale das cataratas) com a ajuda de alguns voluntários americanos após um censo revelar que as comunidades no entorno da cascata não tinham cuidados médicos adequados. Que essa atração maravilhosa permanece um segredo bem guardado foi impressionante por si só.
Não conseguimos ficar para o frango do jantar, porque havia outra área de difícil acesso que queríamos visitar. Descemos a montanha e nos encaminhamos para outra direção; entramos na National Route 4, uma "estrada" que começa na fronteira do Haiti com a República Dominicana. Após mais duas horas de estradas destruidoras de pneus e de estalar o pescoço, de repente, chegamos à pavimentação ou, pelo menos, a estrada de terra batida coberta de cascalho, e chegamos à cidade costeira de Belle Anse, que tem uma população de 51 mil habitantes.
A praça da cidade rústica tinha toques de modernidade depois das cascatas: ruas pavimentadas, energia elétrica, lojas, restaurantes, prédios comerciais com banheiros funcionando e água encanada, uma estação de rádio e uma clínica médica com uma instalação de tratamento de cólera adjacente. Os homens e as mulheres que conheci lá eram jovens, educados, profissionais e energéticos. Dentro de algumas centenas de metros, porém, as estradas desaparecem e os viajantes voltam no tempo. A habitação, então, torna-se uma combinação de madeira, lajes, concreto e estanho. Tudo isso é vulnerável durante a estação chuvosa quando as águas descem das montanhas no entorno para a costa. Contudo, também traz lembranças do Havaí na década de 30. Havia penhascos, barcos de pesca, uma praia, uma lagoa, e mesmo uma cena clichê dos pescadores tecendo redes embaixo de um conjunto de palmeiras.
Belle Anse incorpora as contradições que você encontra no Haiti. A beleza natural das praias o paralisa imediatamente, tal qual a pobreza, mas também o potencial.
A maioria dos turistas que visitam é da ilha vizinha de Guadalupe, disse o prefeito da cidade, Pierre Mercidieu. A sua comunidade é menos de turismo e menos desenvolvida do que boa parte dessa ilha, assim as pessoas a visitam pela simplicidade, declarou.
Eu não sou nenhum ditador, mas até mesmo eu vi o potencial para mais turismo. Então eu tive que perguntar a Mercidieu a pergunta óbvia sobre o único obstáculo para atrair visitantes: aquela estrada. A única outra maneira de lá chegar é por barco de pesca pequeno, uma viagem de 77 quilômetros a partir da cidade mais próxima, Jacmel. O prefeito tinha considerado facilitar a chegada dos viajantes, e das construtoras que querem construir hotéis ou resorts?
- É claro que queremos construir a estrada. É uma estrada federal, mas há uma falta de interesse político por parte do governo, e não existem recursos suficientes. Belle Anse é o lugar mais bonito de todo o Haiti. Ela teria muito mais visitantes se tivesse uma estrada - disse ele em crioulo, através de um intérprete.
Mercidieu nos convidou para o almoço e nos mostrou um pouco dos peixes recém-pescados em um refrigerador nas proximidades. "Em outra oportunidade", eu prometi - e eu realmente falei sério, pois o meu intérprete e eu tínhamos algumas outras clínicas para visitar. Fomos para mais longe no interior da região, para uma comunidade que traduzida do crioulo significa "Gato chamuscado". Lá, comemos feijão e arroz preparados por uma senhora na porta da clínica. Passamos a noite na casa de um amigo do intérprete em uma comunidade chamada Bleck. Não havia telas ou revestimentos nas janelas da casa, assim em vez de ouvir o ruído branco das cachoeiras, ouvi insetos no quarto e galos cantando lá fora. Por volta de cinco da manhã, as motocicletas começaram. Bleck é uma cidade agradável, mas não estará na campanha publicitária "Venha ao Haiti para relaxar".