
O Conselho de Ministros da Itália anunciou, na sexta-feira (28), a aprovação de um conjunto de medidas legislativas que modificam o processo de obtenção da cidadania italiana. O “Pacote Cidadania” restringe as condições para reconhecimento desta nacionalidade e limita a possibilidade de obtenção da cidadania italiana para quem nasce fora do território do país a apenas duas gerações posteriores.
Isso significa que, após a mudança, exige-se ter pai ou avô nascido na Itália para que seja possível solicitar a nacionalidade. Antes da alteração, não havia essa limitação de gerações.
— Até o final da quinta-feira a gente tinha uma lei italiana, já consolidada há décadas, que reconhecia a nacionalidade italiana a todo descendente de italiano, não existia limite de gerações. Então, todo descendente que conseguisse comprovar a ligação direta com um cidadão italiano, com documentação, tinha o direito ao reconhecimento da cidadania italiana. Agora, com esse decreto-lei proposto e aprovado pelo Conselho de Ministros, somente filhos e netos de italianos conseguem reconhecer a sua nacionalidade italiana — explica a advogada Ana Carolina Campara, especialista na área.
Essa mudança atinge diretamente os descendentes de italianos que nasceram e moram no Brasil e no Rio Grande do Sul. Neste ano, o RS celebra os 150 anos da imigração italiana.
— Impacta a grande maioria dos ítalo-descendentes residentes no Exterior, inclusive no Brasil e no Rio Grande do Sul, pois a onda de imigração italiana para o Brasil ocorreu, sobretudo, a partir do século 19. Então, a maioria dos descendentes de italianos no Brasil e no Estado são, hoje, bisnetos e trinetos de italianos — afirma.
Outro ponto na nova legislação que impacta diretamente os italianos e descendentes de italianos residentes no Brasil e no RS, conforme destaca a advogada Ana Carolina Campara, refere-se à transmissão da cidadania. Antes da alteração, o direito ao reconhecimento da cidadania italiana era transmitido de forma automática para os filhos de quem já tinha a nacionalidade italiana, mesmo que estes não tivessem nascido ou residido na Itália ao longo da vida.
Acreditamos que este decreto é inconstitucional. Afronta claramente o direito adquirido na Itália, pois a própria Constituição e a jurisprudência das cortes superiores italianas afirmam que a cidadania italiana é um direito adquirido no nascimento.
ANA CAROLINA CAMPARA
Advogada
Depois da mudança, os filhos destes cidadãos — no caso de não terem nascido em território italiano, nem seus pais — só vão poder obter a nacionalidade caso um dos pais tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes da data de nascimento do filho.
As novas regras entraram em vigor já a partir do anúncio do "Pacote Cidadania", na sexta-feira. Contudo, a medida ainda precisará ser aprovada pelo parlamento italiano, o que pode ocorrer em até 60 dias.
— O decreto é semelhante ao nosso dispositivo de medida provisória aqui no Brasil e, como tal, possui uma aplicabilidade imediata. No entanto, por ser um decreto-lei, uma norma provisória, precisa ser aprovada pelo parlamento em até 60 dias. Se for aprovada, esta lei passa a entrar em vigor, portanto, em caráter definitivo. Se for recusada, é como se nunca tivesse existido — destaca a advogada.
Além disso, especialistas acreditam que a legislação possa ser questionada no sistema judiciário do país. A advogada Ana Carolina vê indícios de inconstitucionalidade na alteração.
— Acreditamos que este decreto é inconstitucional. Afronta claramente o direito adquirido na Itália, pois a própria Constituição e a jurisprudência das cortes superiores italianas afirmam que a cidadania italiana é um direito adquirido no nascimento, e não um ato constitutivo a posteriori. O que isso quer dizer? Que todo cidadão italiano que nasce, já nasceu italiano, bastando o reconhecimento de um direito que já é seu. Por isso, não pode uma lei retroagir em matéria de direitos fundamentais, tirar direitos que já são adquiridos no momento do nascimento — reforça Ana Carolina.
Consulado suspende novos agendamentos
Na sexta-feira, o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre informou que os agendamentos para iniciar o processo de obtenção da cidadania, ou para depositar documentos com este fim, estavam temporariamente suspensos.
Segundo um comunicado publicado na página do consulado, de 2014 a 2024, o número de cidadãos italianos residentes no Exterior aumentou de aproximadamente 4,6 milhões para 6,4 milhões, representando um crescimento de 40% em 10 anos. Além disso, há atualmente mais de 60 mil processos judiciais pendentes para o reconhecimento da cidadania.
Também de acordo com a nota, no Brasil, o total de reconhecimentos aumentou de 14 mil, em 2022, para 20 mil, em 2024. No início de março, quando houve a convocação de mil inscritos, o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre informou que havia mais de 40 mil inscrições feitas no órgão diplomático naquele momento para obter esse reconhecimento.
O que prevê o "Pacote Cidadania":
O que mudou com a nova legislação?
Somente filhos ou netos de italianos poderão solicitar a cidadania italiana.
Como era antes?
Não havia um limite geracional para o pedido, bastava ser descendente direto de italianos e comprovar a ligação com documentos.
Como a nova legislação impacta a transmissão de cidadania?
Caso nenhum dos pais ou avós tenha nascido na Itália, um novo cidadão só poderá ter sua cidadania italiana reconhecida se um dos pais tenha residido por dois anos consecutivos em território italiano antes do nascimento do filho, mesmo que estes pais já tenham a cidadania italiana.
A mudança já está em vigor?
Sim, a mudança entrou em vigor a partir da sexta-feira (28/3).
As novas regras já são definitivas?
Não, o pacote ainda precisa ser aprovado pelo parlamento italiano para se tornar definitivo, o que pode ocorrer em até 60 dias.
A mudança atinge quem já tinha iniciado o processo?
Não, quem já tinha iniciado o processo para obtenção da cidadania italiana até o fim da quinta-feira (27/03) não sofre os efeitos da nova legislação.
A mudança atinge quem já estava na fila de espera para iniciar o processo?
Sim, quem já estava na fila de espera, mas ainda não havia iniciado o processo, estará sujeito às novas regras.