Por Gustavo Borba e Ione Bentz
Diretor do Instituto para Inovação em Educação da Unisinos/Doutora em Linguística e Semiótica, professora de Design e Moda na Unisinos
“Linguagens da imaginação apropriam-se das poeiras de estrelas deixadas pelo rastro do tempo, solucionam contradições, invertem a relação natureza-cultura e a sequência presente-passado-futuro.”
Edgard de Assis Carvalho
Ítalo Calvino, de modo antecipatório em um texto de 1985, nos fala dos desafios do milênio. Ao fazer o inventário das propriedades ou convenções a serem preservadas, o autor enfatiza a leveza, a exatidão, a visibilidade, a multiplicidade e a consistência. Ao término de sua argumentação, aponta para um modo de sobreviver a todas as transformações, celeridades, multiplicidades produtivas e perplexidades: a arte e a escrita.
Buscamos, neste ensaio, discutir o papel da arte no contexto contemporâneo. Recentemente vivemos um período de afastamento social resultante da pandemia da covid-19, onde muitos de nós buscaram na arte as possibilidades de ir além do espaço físico limitado pelas parede de nossas casas.
A arte que produzimos, a arte que ressignificamos, a arte que fala com cada um de nós. Em tempos de tecnologias sem precedentes, talvez a arte seja o último recanto da expressão completa de nossa humanidade: o espaço em que podemos exercitar nossa maior competência, a criatividade. Um lugar onde podemos realizar, projetar, errar e aprender. Uma dimensão onde os algoritmos não nos alcançam.
É preciso que se diga que a arte está em certa maneira relacionada com liberalidades contemporâneas que atingem todas as esferas da sociedade e do conhecimento. Há uma autorização implícita para propor, refutar e criar. Nesse sentido, libertam-se os objetos significantes e os usuários; decompõem-se as imagens urbanas e desestruturam-se as ordens estabelecidas.
Em muitos sentidos, essa estética é também uma arte de viver, e talvez seja nesse domínio que encontre sua maior autenticidade, sendo ela criada por e para o ser humano, no duplo papel de criador e criatura.
A arte não apenas reflete, mas interage e transforma as forças imanentes e transcendentes no conjunto de relações entre indivíduos e sociedade. Ela funciona como uma metáfora de um tipo de pensamento que oscila entre o sensível e o inteligível.
A arte é vetor de criatividade e de rupturas. Ela é comandada pela imaginação na criação de imagens inaugurais e transformadoras. É ela que permite questionar as crenças que nos prendem ao status quo.
Os verdadeiros inovadores não se deixam limitar pelo que são, sobretudo, sonham com o que poderiam ser. Imaginar é pensar por imagens, uma capacidade humana que não pode ser desprezada. As artes e a literatura são espaços de inventividade de potencialidade ímpar. Oferecem à inventividade humana as três condições para a inovação: basear-se em novos princípios que desafiam a ortodoxia; compreender-se como sistema; e fazer parte de um fluxo de invenções em que o progresso é um continuum.
Cabe aqui dizer que ciência e a arte partem de um mesmo ponto: a inventividade. Distinguem-se pelas metodologias e protocolos, mas são subsidiárias da capacidade humana de criar e de transformar. A estética, ao lado da lógica, reflete sobre a sensibilidade humana e não está a ela restrita. No campo em que trabalhamos, o design, essa expressão se realiza, ao considerá-lo como um articulador de afetos fundado na percepção da beleza, na apreciação sensível dos objetos e imagens que presidem a criação de valores. As artes são formas de ser, de sentir, de saber, de conhecer e de fazer, constituintes que são de uma nova ordem de realidade.
Reconhecer o poder da arte como propulsora da criatividade e dos processos de inovação é fundamental para que possamos transformar nossa sociedade em busca do bem estar coletivo, e de novas formas de inovar. Pela arte podemos propor um espaço democrático de diálogo entre os diferentes. É o lugar do início das conversas e do final da dicotomia. É um caminho para a construção do novo, enredado na teia de nossa humanidade.