Um lugar de descanso após o longo dia de trabalho, estudo e uma série de outras atividades realizadas. Assim, as casas eram enxergadas e vividas no período pré-pandemia. Com a chegada do coronavírus e do distanciamento social – como estratégia para conter a circulação da doença –, estes espaços passaram a ser experienciados de outra maneira. Afinal, os lares se transformaram em locais híbridos. Ali as pessoas fazem reuniões, têm aulas, praticam exercício físico, relaxam e se entretêm. A heterogeneidade destes espaços fez os indivíduos descobrirem novas necessidades e a explorar os mínimos cantos dos cômodos.
O casal de engenheiros Daiane Candaten, 31 anos, e Tiago Foppa, 33 anos, fez uma reforma, no início do ano, no recém adquirido apartamento no bairro Jardim Botânico, na Capital. Ali, algumas mudanças foram pensadas entre elas a integração entre a cozinha e a sala de estar, conta Daiane:
— Essa unificação foi pensada antes da pandemia, mas foi ótima, porque conseguimos interagir mesmo estando em lugares diferentes e a bancada, que funciona como uma espécie de divisória entre os dois espaços, é multiuso.
Foi uma grande aposta do projeto arquitetônico pensar a casa não por cômodos, mas por atividades. Em função disso, além do escritório fixo de trabalho, o aparador da sala e a penteadeira do quarto de casal podem funcionar como estações de trabalho, conta Daiane.
— Usamos todos os espaços da casa, ela é muito funcional. Com o passar dos dias da quarentena, fomos incluindo itens de decoração para deixá-la mais aconchegante porque aqui é nosso local de trabalho, lazer e descanso ao mesmo — diz a engenheira química.
Outras ideias apontadas por especialistas
Iluminação e ventilação
A arquiteta e designer Thaíse Machado afirma que a sociedade começou a criar uma relação realmente afetiva com o lar e passou a entender como a casa se comunica. Dentro deste cenário, uma boa iluminação natural, ventilação e acústica se tornaram essenciais.
— Isso é importante para a saúde dos moradores, mas também para a revitalização da energia do espaço. Para aumentar o nível de iluminação natural, você pode substituir a janela de madeira e vidro por uma toda de vidro. Isso traz iluminação natural para dentro de casa e a sensação de estar vivendo aquela claridade da rua.
Casa híbrida
Mario Guidoux, arquiteto do 0E1, escritório responsável pela reforma no apartamento de Daiane, afirma que os espaços domésticos precisam ser pensados para abrigarem mais de uma função. Ele destaca que um mesmo espaço pode apresentar diversas camadas de uso que vão revelando seus múltiplos usos ao longo do dia e da semana, conforme a necessidade do morador. Essa transformação, de acordo com Guidoux, pode ocorrer pela troca de mobiliário ou só pelo modo como interagimos com o ambiente.
— Na verdade, isso não é algo novo, pelo contrário. Foi no século XIX que as funções passaram a ser separadas nas casas com espaços ultra especializados. Agora, com a mobilidade de trabalho e lazer, cada vez mais móveis, a gente pode voltar a ter uma relação mais ativa com a casa.
Escritório de trabalho
É praticamente uma unanimidade que o tele-trabalho veio para ficar. O confinamento, entretanto, escancarou que as casas não estavam preparadas para essa atividade. O improviso se mostrou, na maioria das vezes, desconfortável e nada funcional, segundo a arquiteta Deise Flores:
— As pessoas passaram a se preocupar com uma iluminação boa, cadeiras confortáveis e mesas adequadas para suas estações de trabalho. Houve um aumento no aprimoramento desses espaços. Quem tem uma casa pequena, pode criar seu escritório na sala ao instalar um biombo. Separando fisicamente um ambiente do outro.
Higienização
Com a chegada do coronavírus, muitas pessoas perceberam que não havia em casa um espaço ou hall para deixar os sapatos e roupas usados na rua. E esse espaço que, aos poucos foi tirado das construções de casas e apartamentos, agora é uma necessidade, aponta a professora e arquiteta urbanista, Roberta Edelweiss.
— Essa área de transição é muito comum em países da Ásia. Esse espaço de descompressão ganhou força agora e a tendência é que ele fique. Em prédios, algumas famílias deixam os sapatos nos corredores, mas espera-se sejam criadas alternativas mais funcionais de sapateiras, com espaço para colocar a roupa usada na rua e que nesse mesmo móvel fique posicionado um álcool gel para a limpeza das mãos — aponta a professora.
Mudança na tele-entrega
Roberta observa que outra mudança que pode surgir nas novas edificações ou em reformas é a construção de passa-pratos. Com essa opção, o contato entre o entregador e o morador é menor, já que o alimento será deixado neste balcão pelo funcionário e, posteriormente, tocado pelo consumidor.
Para descontrair
Deise aponta que haverá uma valorização e demanda, cada vez maior, por espaços de relaxamento para desacelerar o corpo do ritmo alucinante do cotidiano. Para isso, terão de ser criados e pensados espaços que busquem promover o bem-estar dos indivíduos.
— Um cantinho com um tapete no chão e umas velas aromáticas já ajudam nesse processo de descompressão e reconexão consigo mesmo. O importante é poder contar com esse espaço mais calmo — diz ela.
Texturas
Em uma espécie de contraponto ao momento vivido, entra no radar das pessoas estamparias, tecidos e texturas mais aconchegantes, aponta Henrique Diaz, head de Tendências e Futuro da Box1824.
— A moda tem mostrado muito isso. Cores mais claras, florais e materiais como a madeira tem se destacado, porque eles passam uma sensação de acolhimento.
Floresta Urbana
A valorização da vida externa e tudo o que ela implica cresceu muito durante o período de distanciamento social, aponta Alexandre Bento, professor e arquiteto. De acordo com ele, as pessoas passaram a interagir mais com plantas e passaram a querer ter suas próprias hortas como uma maneira de se conectar com a natureza.
— Esse contato com a terra foi podado das pessoas, e elas sentem falta disso. Por isso, o movimento de urban jungle, que vinha em uma crescente, aumentou ainda mais. Porque é um momento em que o indivíduo se dedica à natureza, a cuidar das plantas, entender os ciclos de crescimento e até mesmo a conversar com elas.
Arquitetura virtual
Um recurso que tem sido utilizado, principalmente, por aqueles que passam muitas horas do dia em reuniões são as aplicações digitais de paisagens e texturas no ambiente usado como escritório. Aponta o head de Tendência e Futuro da Box1824:
— Por meio da câmera do computador, você baixa um fundo ou filtro e aplica na sua imagem. Esse recurso é interessante, porque ele modula o humor da casa. A sua parede branca, por exemplo, pode se transformar em uma estante cheia de livros durante uma chamada de vídeo.
Tendências não são universais
Diaz afirma que as tendências impactam a todos, visto a abrangência do coronavírus. Contudo, ele lembra que a classe dita quem conseguirá embarcar nessas mudanças. Pessoas de classe média conseguem fazer essas adaptações e procuram criar espaços de maior interação, porque elas têm áreas nas quais podem se isolar para trabalhar, aponta do head de Tendência e Futuro da Box1814.
— As pessoas não tão abastadas, por sua vez, tendem a buscar compartimentar os cômodos. Para conseguirem dividir o local de trabalho do de lazer para crianças, por exemplo. Há ainda casais que têm horários diferentes de trabalho. Então, eles também precisam de espaços não tão integrados para conseguirem realizar suas atividades — afirma.