
Realizar atividades por vídeo deixou de ser algo incomum desde que se passou a cumprir distanciamento social por conta do coronavírus. A tecnologia tem sido a melhor saída para fazer exercícios físicos guiados, por exemplo. Mas imaginem o desafio de ensaiar um grupo de dança a distância. É assim que tem sido para a Companhia Jovem de Dança de Porto Alegre, formada por meninos e meninas selecionados nas escolas preparatórias lotadas em colégios municipais da Capital.
O grupo havia retomado as atividades no início de março. Segundo o diretor do Centro Municipal de Dança da prefeitura de Porto Alegre, Airton Tomazzoni, eles estavam começando os ensaios do espetáculo Parmi quando as aulas foram interrompidas.
A partir da determinação da suspensão das atividades, a equipe diretiva formada por Tomazzoni junto aos professores Driko Olivieira, Fernanda Santos, Ilza do Canto e Luiza Zunino começou a planejar a produção de vídeo-aulas, que são enviadas semanalmente por meio de um grupo de WhatsApp. Os dançarinos devem desenvolver os exercícios e mandar o resultado também por vídeo.
— As imagens são avaliadas pela direção artístico-pedagógica. Enviamos, então, sugestões, comentários e correções. Este trabalho serve de embasamento para as aulas que virão, pois revelam o que precisa ser mais bem trabalhado em cada jovem. Além disso, estamos avaliando como seguir divulgando o trabalho da Companhia. Estamos pensando em uma apresentação online ou em uma criação coletiva de um videoclipe — relata Tomazzoni.
Além dos módulos de dança urbana, alongamento, exercícios rítmicos, dança contemporânea e tarefas de criação coreográfica, foi incluído no programa o envio de obras de dança para serem assistidas e comentadas. Assim, os jovens são estimulados a fazer produção textual também, já que estão sem aulas regulares.
O grupo é formado por 14 dançarinos. São jovens de 12 a 20 anos selecionados de escolas preparatórias de dança dos bairros Restinga, Sarandi, Vila Mário Quintana, Vila Cruzeiro e Passo da Pedras.
A proposta, conforme Tomazzoni, é que, ao sair da Companhia, os dançarinos tenham alcançado maturidade técnica e artística para encontrar inserção no mercado.
— Muitos dos que deixaram a Companhia criaram seu próprio grupo, como a Cia Flashback. No momento, temos seis vagas disponíveis. Íamos fazer seleção neste mês, mas, agora, vamos aguardar para fazer quando tudo se normalizar, relata o diretor.
As aulas por vídeo não são acessíveis para todos em tempo integral. Alguns alunos não conseguem assistir e enviar os vídeos com agilidade. Raissa de Lisboa Farias, de 14 anos, integrante do grupo há um ano e moradora do bairro Restinga, conta que a instabilidade da internet atrapalha um pouco. Mas, com a paixão que ela tem pela dança, isso nem chega a ser um empecilho.
— Eu danço desde os quatro anos de idade. Quando eu fazia a escola preparatória, vi umas apresentações e acabei me apaixonando pelo projeto. Então, em 2019, consegui entrar oficialmente para a Companhia. Quando a internet está boa, eu consigo fazer a aula online melhor. Quando não está, tenho de esperar. Já vi todos os vídeos e já fiz praticamente todas as sequências, mas enviei somente um vídeo para avaliação — conta a jovem.
Com a distância, Raissa precisa se dedicar ainda mais aos treinos. Normalmente, ela ensaia de uma a duas horas por dia. Mas revela que, quando precisa aprender uma coreografia nova, passa praticamente a tarde inteira ensaiando.
— Eu demoro bastante, porque gosto de ver como estão os movimentos e se estão bons. É um processo maior, que realmente demora, mas que eu gosto de fazer — diz Raissa, que ressalta a importância do apoio familiar:
— Minha mãe sempre me incentiva a fazer as aulas online, até mesmo quando estou com preguiça. Ela está sempre me cobrando os vídeos dos ensaios e me ajudando.
Para o grupo Macarenando Dance Concept, o trabalho online não é uma novidade. Desde 2017, eles já utilizam canais digitais para mostrar criação e ensaio de coreografias e para interagir com o público. Mas não poder consolidar tudo pessoalmente não era algo comum, já que eles costumavam se encontrar três vezes por semana durante três horas em cada encontro. Agora, tudo acontece virtualmente.
Os ensaios ocorrem praticamente todos os dias. A companhia não trabalha com aulas externas. O grupo é totalmente focado em criação, produção e apresentação de conteúdos artísticos. O carro-chefe dos projetos transmitidos na internet é o Dance a Letra, que mistura dança e comédia, no qual são atribuídos gestos literais para letras de músicas brasileiras famosas.
Conforme Diego Mac, diretor da companhia de dança formada por 14 pessoas — entre bailarinos, produtores e diretores —, essa transição do off para o on é bem familiar para o grupo, mas a principal diferença se deu na área de planejamento e na forma de manter o foco.
— Como todos da equipe estão sempre envolvidos em todas as etapas de criação, planejamento, produção e execução dos projetos, e já usávamos os vídeos para divulgar nosso trabalho, a principal mudança para nós foi a forma de executar os processos usando internet, vídeo e redes sociais. E, claro, a necessidade de encontrar outras estratégias para suprir o que os encontros presenciais trazem: o afeto, o treinamento físico e o corpo em ação coletiva. E isso, estamos driblando com muitas conversas entre a equipe e ensaios online — relata Mac.
O espaço da tela é reduzido, a imagem precisa ser trabalhada de acordo com o que o vídeo permite, e a lógica da coreografia precisa fazer sentido com o que é visto na tela".
DIEGO MAC
diretor da companhia de dança
Outra mudança que o coreógrafo ressalta é na maneira de apresentar a dança. Poder mostrar o trabalho somente pelo vídeo cria algumas especificidades que, para ele, precisam ser levadas em consideração.
— O espaço da tela é reduzido, a imagem precisa ser trabalhada de acordo com o que o vídeo permite, e a lógica da coreografia precisa fazer sentido com o que é visto na tela. Isso provoca uma alteração na coreografia que precisa ser considerada nas novas criações. Não dá pra fazer uma transposição cega do offline para o online sem considerar essas questões — explica Mac.
Pesquisador dos movimentos artísticos, Mac acredita que, além de entender o que está acontecendo, o momento também é de estudar as novas linguagens de criação artística que poderão surgir:
— Isso já é algo que o grupo pesquisa: como a linguagem da dança e as criações coreográficas podem acontecer nesses ambientes virtuais. Como essas ferramentas podem colaborar e trazer novas soluções criativas para a criação em dança, principalmente nesse momento tão diferente.
Em meio a tudo o que acontece, é preciso ver o lado bom das coisas também. Ter a tecnologia como principal aliada na continuação das atividades proporciona oportunidades diferentes. Para o Grupo Meme, que existe há 16 anos, a impossibilidade de reunir a companhia de dança pessoalmente e que levou os dançarinos a terem que trabalhar juntos virtualmente, permitiu que duas antigas integrantes que moram no Exterior pudessem voltar a participar de um novo projeto: o Meme Expressões Poéticas.
Trata-se de uma obra de dança elaborada e filmada pelos membros do grupo, cada um na sua casa. Tiago Rinaldi, músico e produtor que faz parte do grupo há mais de 10 anos, foi o responsável por editar as imagens, que também ganharam trilha sonora. O material será lançado nas redes sociais no sábado, dia 18.
Diretor e coreógrafo do Grupo Meme, Paulo Guimarães conta que os dançarinos têm se mantido conectados e em diálogo constantemente. E que a ideia, que levou em torno de três semanas para ser produzida, surgiu porque eles perceberam que as pessoas estavam tendo crises de ansiedade e entrando em depressão por causa da quarentena.
— Após refletirmos sobre esta questão, percebemos que o antagonismo da depressão é a expressão, ou seja, a arte. Então, nasceu o projeto — relata Guimarães.
A ideia é lançar nas redes sociais pequenas obras artísticas produzidas durante a quarentena. E a próxima fase será estimular mais artistas a participarem.