A lei brasileira prevê que uma pessoa só pode se submeter a procedimento para ficar estéril se tiver ao menos dois filhos vivos ou 25 anos. Desde os 18, o universitário Vinícius Machado esperava o dia de atingir a idade limite. Quando chegou lá, fez uma vasectomia.
Nascido em Minas Gerais e hoje radicado no Rio de Janeiro, Machado é adepto do antinatalismo, corrente que prega a extinção voluntária da humanidade por meio do fim da procriação. Os antinatalistas ressaltam que a sua é uma escola de pensamento com milênios de tradição, que tem como maior expoente atual o filósofo sul-africano David Benatar, professor da Universidade da Cidade do Cabo.
Em sua obra, Benatar sustenta que, eticamente, a coisa certa a fazer é não ter filhos. A presença de prazer e a ausência de dor são coisas boas, argumenta ele. A presença de dor é má. A ausência de prazer, por sua vez, não é má. Uma pessoa que vem ao mundo experimentará algo bom (prazer) e algo ruim (dor). Outra que não vier terá algo bom (ausência de dor) e algo que não é mau (ausência de prazer). Portanto, segundo ele, não nascer é superior a nascer.
— Nós não deveríamos dar vida para pessoas que no futuro vão enfrentar sofrimento. Sim, também há coisas boas. Mas a questão é se essas coisas boas valem a pena. As pessoas esquecem o quão ruins são as coisas ruins da vida — afirmou Benatar, em entrevista à BBC.
O brasileiro leu o sul-africano e virou um militante. Abriu no Facebook a página Antinatalismo – Não ter filhos é um ato de amor, que já acumula 50 mil seguidores. Lá, fez sua declaração de princípios: “Trabalhamos com a premissa de que ter filhos é uma escolha que, como todas as outras, tem consequências éticas. E a forma mais funcional de poupar o sofrimento humano e animal é trabalhando para diminuir as ideologias do nascidouro, amor parental (principalmente o materno) e a da sacralidade da vida. Estamos juntos pela mais nobre luta da humanidade, a única que redimiria todos os seus pecados: deixar de existir”.
No início, Machado costumava postar textos longos e argumentativos, mas as reações eram chochas. Começou então a traduzir os conceitos em memes, o que fez a audiência, as curtidas e os compartilhamentos explodirem. Em uma postagem recente, por exemplo, ele divulgou um desenho em que a Terra, com a Amazônia em chamas, conversa com um outro planeta, vestido de médico. “Doutor, é muito grave?”, pergunta a Terra. “É, sim, você tem humanos!”, responde o outro.
Psicanalista critica: “raciocínio hedonista”
Hoje com 26 anos, Vinícius Machado diz que o interesse pelo movimento cresceu bastante depois que o indiano Rapahel Samuel ganhou fama, no começo deste ano, ao anunciar que processaria os próprios pais por terem-no gerado sem seu consentimento. O episódio foi encarado como uma daquelas notícias bizarras sem maiores consequências, mas continha um fundo político: Samuel é um militante do antinatalismo.
Machado é formado em Cinema e está concluindo uma outra graduação, em Estudos de Mídia. Também cursa um mestrado em Cultura. Namora há dois anos uma jovem que não quer ter filhos. Ele observa que há vertentes diferentes dentro do antinatalismo, como o grupo que propõe a extinção voluntária por entender que fazemos mal ao ambiente, aos animais e aos outros membros da espécie. Machado prefere a linha que combate a procriação por motivos éticos:
— O ser humano sofre muito, é uma criatura muito angustiada. Durante a maior parte da História do Ocidente, isso era aceito. A mitologia da felicidade que temos hoje é localizada na modernidade. Antes disso, o cidadão médio cristão acreditava enfrentar todo aquele sofrimento porque estava passando pela dor de Cristo na Terra. Nosso posicionamento é de amor às crianças, por não querermos que elas vivam essa realidade de sofrimento. O antinatalismo quer diminuir o sofrimento no mundo.
O psicanalista Mario Corso critica. Para ele, o pensamento antinatalista é depressivo e anti-humanista, uma forma de desistência do humano:
— Eles têm razão ao dizer que experimentamos mais sofrimento do que prazer, mas desde quando o prazer é o horizonte da vida humana? Que raciocínio mais hedonista! A vida não se justifica pelo prazer. Isso é reduzir a experiência humana. Também acho que a humanidade não deu certo. Não vai dar certo. Temos uma precariedade estrutural em nós. Mas a experiência humana é uma coisa de que eu não abriria mão de transmitir.