O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, pediu vista de uma ação que tratava do reconhecimento de duas uniões estáveis concomitantes para divisão de uma pensão por morte. O caso envolve uma mulher e dois homens. Eles formavam dois casais: uma união homoafetiva e uma heteroafetiva.
No julgamento iniciado na manhã desta quarta-feira (25), oito ministros já haviam votado (5 a favor de direitos decorrentes de relacionamentos paralelos "para fins previdenciários" e 3 contra) quando Toffoli pediu vista. Não há previsão de retomada do julgamento. Estavam ausentes do plenário os ministros Luiz Fux e Celso de Mello.
O caso — que tem repercussão geral, ou seja, vale para outros semelhantes — diz respeito a uma mulher e a um homem de Sergipe que disputam a divisão de uma pensão. Eles mantiveram relações estáveis, paralelas e concomitantes, por mais de uma década, com um mesmo homem. A identidade dos envolvidos não foi revelada porque o processo corre em segredo.
Em primeira instância, a Justiça reconheceu as duas uniões, mas elas foram rejeitadas pelo Tribunal de Justiça de Sergipe. A união entre a mulher e o homem foi reconhecida judicialmente primeiro, após a morte do companheiro. Em seguida, o homem que mantinha a relação homossexual passou a brigar pelo rateio do benefício previdenciário deixado pelo companheiro, e o caso chegou ao STF.
O relator Alexandre de Moraes votou contra a divisão. Ele afirmou que não cabe reconhecimento de casamento ou união estável com outra união estável paralela, seja homoafetiva, seja homoafetiva.
O que se pede é mudança de paradigma e reconhecimento da bigamia. (Está em discussão) Se o Supremo Tribunal Federal passará aceitar ou não a bigamia, se se será possível o reconhecimento concomitante destas uniões estáveis.
ALEXANDRE DE MORAES
Relator
— O que se pede é mudança de paradigma e reconhecimento da bigamia — disse o ministro, lembrando que, mesmo para fins previdenciários, poderá haver efeitos no direito de família e de sucessões. — (Está em discussão) Se o Supremo Tribunal Federal passará aceitar ou não a bigamia, se se será possível o reconhecimento concomitante destas uniões estáveis —afirmou.
Durante a leitura do voto, houve embate entre Moraes e Marco Aurélio Mello, que questionou o fato de não se reconhecer a união dos dois homens.
— Ressoa preconceito — disse Marco Aurélio.
— Não há preconceito em nenhuma das manifestações — afirmou Moraes, que lembrou de decisões de Marco Aurélio sobre o tema.
Os dois começaram a afirmar que se tratava de "golpe" e "golpe baixo" a discussão. A decisão relatada por Marco Aurélio, lembrou ele, tratava-se de um casamento e uma união estável em paralelo.
O ministro Edson Fachin foi o primeiro a divergir, defendendo o reconhecimento das uniões para fins previdenciários, ou seja, apenas para divisão da pensão por morte.
— Uma vez não comprovado que ambos os companheiros do beneficiário estavam de má-fé, ou seja, ignoravam a concomitância das relações de união estável por ele travadas, entendo que deve ser reconhecida post-mortem (pós-morte) a proteção jurídica para os efeitos previdenciários — afirmou.
Uma vez não comprovado que ambos os companheiros do beneficiário estavam de má-fé, ou seja, ignoravam a concomitância das relações de união estável por ele travadas, entendo que deve ser reconhecida post-mortem (pós-morte) a proteção jurídica para os efeitos previdenciários.
EDSON FACHIN
Ministto
Luís Roberto Barroso seguiu Fachin:
— Não há nos autos nenhuma prova de quais das duas uniões estáveis era anterior. Tudo sugere que tenham sido simultâneas. Uma escolha (por uma delas) é arbitrária.
Segundo Barroso, a monogamia vale para o casamento:
— Não existe análogo para união estável.
De acordo com ele, a matéria trata-se apenas de direito previdenciário e não discute direito de família:
— Não está em questão aqui nem a questão da monogamia nem legitimidade de duas uniões estáveis simultâneas. O que se tem são duas pessoas carentes, hipossuficientes disputando uma pensão previdenciária;
A Procuradoria-Geral da República (PGR), representada pela subprocuradora-geral Claudia Sampaio, deu parecer contrário ao reconhecimento das uniões. Ela afirmou que o sistema jurídico brasileiro "não conferiu proteção à relação de concubinato". Destacou ainda que a bigamia é crime e afirmou que o caso pode ter efeitos no direito de família e sucessões. Para ela, só valeria a divisão da pensão se o concubinato tivesse sido iniciado no processo de separação ou se um dos companheiros não soubesse que havia uma família paralela.
A Associação de Direito de Família e Sucessões (ADFAS) também fez sustentação oral contra o pedido de pensão feito pelo homem. A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva disse se tratar de concubinato, uma vez que as uniões estáveis se equiparam ao casamento.
— Não pode existir duplo casamento — afirmou, ao se referir a uma questão de lógica.
O advogado do homem que pede a divisão da pensão com a mulher, Marco Aurélio Franco Vechi, disse que "a sociedade evolui". Ele afirmou que o STF tem o papel de ir contra a limitações de direitos, a intolerância e a falta de empatia.
— Tem muitas famílias esperam uma resposta definitiva — disse Vechi.
Segundo ele, a relação do seu cliente com o companheiro morto deve ser reconhecida porque era duradoura, pública e baseada no afeto:
— Concubinato que merece proteção é aquele que se assemelha à união estável.