
Uma amiga minha, bem magrinha, admitiu outro dia que "não suporta ficar perto de gente gorda". Sua reação é quase visceral e a leva a evitar contatos sociais e profissionais com pessoas obesas – e embora não saiba precisar a origem desse sentimento, confessa tê-los desde que se conhece por gente.
Ela não está só. Décadas atrás, os pesquisadores descobriram que a gordofobia, geralmente acompanhada da discriminação explícita e do bullying, pode começar na infância, às vezes precocemente, por volta dos três anos.
O preconceito talvez não seja consciente por parte de quem o manifesta, mas pode ter forte influência no comportamento da pessoa. Um novo estudo dos pesquisadores da Universidade Duke, na Carolina do Norte, por exemplo, revelou que a "gordofobia implícita" em crianças com idades entre nove e onze anos é tão comum quanto o preconceito racial implícito entre adultos.
Asheley C. Skinner, a líder da análise, é pesquisadora de saúde pública e afirma que o preconceito do qual a pessoa não tem consciência prevê seu comportamento tendencioso com mais exatidão do que a intolerância explícita. Ela identificou as origens da discriminação de crianças e adolescentes tanto nas famílias em que foram criados como na sociedade como um todo, que continua a projetar ideais de ultramagreza e culpa as pessoas por serem gordas.
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– É muito comum ver os pais comentando os próprios problemas de peso, recomendando aos filhos que não comam certos tipos de alimentos e lamentando terem engordado – constata Asheley.
A gordofobia explícita está bem documentada, bem como os efeitos danosos que têm sobre as pessoas com dificuldades de manter o peso; entretanto, a tendenciosidade implícita também resulta em discriminação e em um comportamento social indesejável que podem afetar negativamente as pessoas excessivamente gordas.
Segundo o Dr. Scott Kahan, diretor do Centro Nacional do Peso e Bem-Estar de Washington, o fenômeno é generalizado na sociedade, ocorrendo no local de trabalho, na escola, na imprensa, nos hospitais e até nos relacionamentos com familiares, pais e professores.
– O sobrepeso é conhecido como a "última forma socialmente aceitável" de preconceito e os gordos e obesos, considerados alvos aceitáveis de estigma – escreveu Kahan em seu blog, em 2015. – A gordofobia ocorre até entre aqueles que, em outras circunstâncias, são justos e tolerantes, e muitas vezes os próprios especialistas, que talvez não percebam que isso predispõe a comportamentos pouco saudáveis e a um ganho ainda maior de peso.
Explícita ou não, a gordofobia pode ser contraproducente, afetando a capacidade dos obesos de emagrecer e se manterem assim. Estudos feitos pela equipe de Rebecca M. Puhl, do Centro Rudd de Obesidade e Política Alimentar da Universidade de Connecticut, entre outros, concluíram que pessoas fora do peso que são vítimas de preconceito e conseguem emagrecer têm menos capacidade de se manter magras.
"A estigmatização está mais frequentemente associada à alimentação compulsiva e a outros padrões alimentares desajustados. Em um estudo com mais de 2.400 mulheres com sobrepeso/obesas pertencentes a uma organização de apoio de emagrecimento, 79 por cento confessaram ter sofrido discriminação em várias ocasiões, por comerem demais, e 75 por cento lidaram com o fato se recusando a fazer regime", escreveu Rebecca em uma resenha abrangente sobre o assunto para a American Journal of Public Health.
Mais ainda, ser alvo de gordofobia pode resultar em baixa autoestima, depressão e estresse, fatores que, por sua vez, aumentam as chances de desenvolvimento de hábitos alimentares ruins, dificuldade de emagrecimento ou de manutenção do peso. A pessoa pode internalizar esse preconceito, culpando a si mesma pelo peso excessivo e pela discriminação social de que é vítima.
"Mesmo aqueles que só acham que estão acima do peso, não importando quanto pesem, correm mais riscos de engordar e de comer mais, reagindo às ameaças sociais", escreveu Rebecca. Três estudos de longo prazo com mais de 14 mil adultos nos EUA e na Grã-Bretanha mostraram que os adultos que se achavam acima do peso tinham mais probabilidade de engordar com o tempo, independentemente do peso original e do fato dessa percepção de excesso proceder ou não.
Quando a gordofobia é internalizada, diminui significativamente as chances da pessoa de manter o peso no longo prazo, como confirmou a equipe de Connecticut, graças a uma pesquisa online feita com 2.702 adultos norte-americanos.
Um estudo feito na Universidade Estadual Bowling Green por Robert A. Carels e seus colegas com 46 adultos com sobrepeso/obesos inscritos em um programa de emagrecimento comportamental, revelou que tanto a gordofobia implícita como a explícita estão relacionadas a um consumo maior de calorias, a menos exercícios e gasto de energia, à perda de peso menor e a maiores chances de desistência do programa.
– Tem gente de muita visibilidade fazendo comentários sobre a aparência física dos outros de maneira muito imprópria. Onde está a patrulha para dizer que uma coisas dessas não é aceitável? O silêncio diz tudo, ou seja, é uma coisa aceitável socialmente – estipula Rebecca Puhl em entrevista. E prossegue: – Três estados, Nova York, Maine e New Hampshire, aprovaram uma lei proibindo a discriminação contra as pessoas baseada no peso.
Além disso, o Congresso aprovou uma emenda à Lei dos Americanos com Deficiências para proteger os "obesos mórbidos" do preconceito no ambiente de trabalho. (Embora muitos não sejam favorecidos pela legislação.)
Há também um movimento cada vez mais forte para melhorar o acesso a alimentos saudáveis nas comunidades consideradas "desertos alimentares", onde a obesidade é generalizada.
Mesmo assim, o excesso de peso é umas das principais razões, se não a maior, por que as crianças sofrem bullying, diz Puhl. – O problema precisa desesperadamente de intervenção e prevenção, tanto nas escolas como nas organizações, para evitar e sanar questões de autoimagem e distúrbios alimentares que resultem em batalhas com o peso para o resto da vida.
Embora a solução ideal para a gordofobia, no fim das contas, dependa da educação tanto de leigos como de profissionais de saúde, quem briga com a balança hoje não pode esperar uma reforma social que ajude a eximi-los da responsabilidade pessoal pelo próprio peso.
– Com a supermagreza sendo tão exaltada e popular na imprensa, é difícil mudar certas atitudes sociais – Rebecca reconhece.
Para competir com as mensagens bem financiadas dos setores de emagrecimento e moda, ela recomenda um esforço concentrado que envolva a autoaceitação e um diálogo interno positivo que combata os estereótipos para ajudar quem quer/precisa emagrecer a reconhecer que o que realmente importa é o caráter, a inteligência, as ambições, os esforços e as contribuições à sociedade.
– Temos todos que nos afastar dessa cultura atual, baseada nas aparências, e reconhecer que há outras coisas muito mais importantes do que o visual – conclui.
Por Jane E. Brody