Há seis anos, depois de perder a mãe, a irmã e a esposa, Jorge Kertesz viu seus pensamentos voltarem-se para uma ferida antiga: a morte do pai, Francisco, que tirou a própria vida antes de ser preso. O médico de nacionalidade húngara havia sido condenado por imperícia no caso de uma garota diagnosticada com apendicite aguda. Foi há 76 anos, em Frederico Westphalen.
Nesta semana, Jorge recebeu a notícia que o deixou aliviado: após um longo processo, a Justiça decidiu reverter a decisão de 1940 que apontava Frederico Kertesz como culpado pela morte da menina. A revisão criminal, algo raro após tanto tempo no meio jurídico, emocionou o homem que, então com sete anos, viu seu pai preferir morrer a perder a honra.
Jorge, hoje com 83 anos, não contém as lágrimas ao comentar o caso. Emocionou-se no julgamento, quando o relator recomendou que a decisão anterior fosse mantida. Lamentou quando outro votante o acompanhou. Chorou copiosamente ao perceber que os outros três votos, apontando falta de provas, inocentariam seu pai.
– Não dá pra explicar, a emoção toma conta. A maior sensação mesmo é de dever cumprido. Não queria deixar de contestar essa decisão, mesmo que fosse para perder – explica o servidor aposentado da Receita Federal.
Para o advogado Rubens Ardenghi, escolhido por Jorge para assumir a defesa póstuma do pai, não havia justificativas para a condenação. O perito, segundo ele, havia concluído que a morte da garota foi causada por decorrência de uma lesão na bexiga, mas não havia examinado o corpo apropriadamente. O laudo teria sido feito pelo delegado, e não haveria quaisquer provas que comprometessem o médico:
– Ele foi absolvido por falta de provas. A condenação era uma injustiça, mas ainda assim sabíamos que seria difícil conseguir uma revisão judicial. Mas a justiça veio, ainda que tardia.
Para Jorge, o caso encerra-se aí. O aposentado não pensa em pedir alguma indenização em nome do pai: satisfaz-se com o fato de que agora pode conviver em paz com a memória do médico que, ele acredita, teve finalmente a honra redimida.
– Estou muito satisfeito. Não teria sentido pedir alguma indenização, até porque os maiores prejudicados foram meu pai e minha mãe, não eu. Ele foi desonrado, humilhado. Foi uma questão de honra, e essa honra eu queria resgatar.
* Zero Hora