
Alunos das escolas públicas brasileiras podem iniciar o próximo ano letivo sem novos livros didáticos nas mãos. Isso porque o governo federal deve R$ 500 milhões às editoras, o que pode prejudicar a entrega de 20 milhões de obras.
O número de livros em risco representa quase metade das 47 milhões de novas obras didáticas compradas pelo governo federal para 2016. Dessas, 27 milhões já foram entregues, mas as editoras estão tendo dificuldades para retirar o restante das gráficas sem o pagamento da União. Os dados são Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), que representa 19 editoras, responsáveis por 95% dos livros didáticos encomendados pelo Ministério da Educação (MEC).
- O mais prejudicado com esses atrasos vai ser o aluno - afirma Mario Ghio Junior, vice-presidente da entidade.
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O representante destaca que os R$ 500 milhões referem-se apenas às contas que já venceram, algumas há mais de 60 dias. Até o final do ano, outros R$ 400 milhões em compras de livros didáticos devem ter as cobranças vencidas, totalizando R$ 900 milhões. Além dos livros novos, este valor inclui obras para reposição - aquelas que tiveram exemplares danificados -, e títulos para as escolas rurais, que somam 120 milhões de exemplares.
Do total da compra, o governo só repassou R$ 210 milhões às editoras, o que representa 24% da dívida. A aquisição faz parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e é feita pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Por meio de nota, o órgão informou que "empenhou os recursos" para o pagamento das editoras e descartou o risco de atraso nas entregas. Conforme o FNDE, o repasse dos livros pelas editoras está sendo monitorado e deve ser finalizado até 18 de dezembro.
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Enquanto os empenhos não viram pagamentos, as editoras sentem os impactos negativos do próprio endividamento. O motivo foram as dívidas assumidas com os fornecedores para a produção das obras encomendadas pelo governo federal. Ghio afirma que, como o setor consumiu todo o capital de giro, os pequenos negócios enfrentam risco de fechar se não receberem pelos livros.
Mesmo que a situação se resolva rápido, conforme o vice-presidente, o setor sofreu prejuízos que não poderão ser revertidos. Como tiveram de pedir empréstimos aos bancos a juros altos para custear as encomendas, as editoras têm enfrentado dificuldades para manter os empregos. Muitas já tiveram de demitir profissionais.
- Isso desmobilizou investimentos para o próximo ano, entre eles em novas obras. Prejudica toda a cadeia editorial, das gráficas aos autores. Significa que o Brasil, por conta dessa falta de planejamento orçamentário, é um país que está deixando de investir na produção de conhecimento - completa Ghio.
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Acervo escolar teve compras canceladas
O atraso no pagamento dos livros didáticos não foi o único golpe no acervo escolar causado pelos problemas financeiros do governo. A paralisação de compras da União em outras ações de incentivo à leitura deixou de entregar obras de outros gêneros aos alunos e fez editoras verem investimentos irem pelo ralo.
O representante da Abrelivros relata que as aquisições de obras paradidáticos (livros de apoio ao ensino) pelo Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), de títulos digitais e de dicionários foram cancelados este ano. Editais lançados desde 2014 para compra de livros infantis relacionados ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) e de obras para o PNBE Indígena não tiveram andamento.
Questionado sobre a estagnação dos programas, o FNDE apenas informou que a avaliação das obras do PNBE está "em andamento" e "há previsão de serem adquiridas no próximo ano".
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Sem editoras de livros didáticos, conforme a Câmara Rio-Grandense do Livro, o Estado sentiu o impacto da crise nas contas públicas nos setores de obras paradidáticas e literárias.
- As editoras se prepararam produzindo obras para participar de editais que não andaram, o que gerou prejuízos. Nos preparamos para as compras que haviam sido anunciadas, mas não se concretizaram - explica o presidente da entidade, Marco Cena.
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Com sede em Porto Alegre, a editora Projeto viu o governo federal, seu principal cliente, não comprar nada em 2015. Até então, a União era responsável por 60% das vendas da empresa.
A proprietária da editora, Annete Baldi, informa que produziu duas obras infantis para participar de um edital do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) em 2014. Teve os títulos selecionados e foi chamada para entregar a documentação necessária para habilitação no certame, em dezembro do último ano. Depois disso, não obteve nenhuma notícia. Também participou de outros dois editais ligados ao Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), que não avançaram nem para etapa de seleção das obras em 2015.
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Com as dívidas batendo à porta e sem conseguir fechar contratos com o governo, Annete demitiu sete dos 10 funcionários.
- É como se eu tivesse voltado no tempo, um retrocesso. Com isso, não conseguimos lançar novas obras desde outubro do ano passado - lamenta a empresária.
Segundo Annete, as duas obras selecionadas pelo primeiro edital seriam destinadas a 75 mil turmas do 1º ao 3º ano, para auxiliar os alunos na alfabetização.
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