Na segunda-feira, em caráter liminar, o juiz federal Marcelo Rebello, do Distrito Federal, determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exclua, no prazo de dez dias, o THC, substância da maconha, da lista de substâncias proibidas no país.
Luciana Loureiro Oliveira é um dos três procuradores da República que apresentaram a ação pedindo que o THC seja liberado. Ela falou a Zero Hora:
Por que o Ministério Público Federal ingressou com uma ação para liberar o THC?
Começamos a instruir essa questão em 2014, a partir do relato de pessoas que recorriam individualmente à Justiça para pedir a importação de medicamentos que continham canabinóides, no caso, o canabidiol. Ao longo do tempo, fomos conhecendo relatos de pacientes que tinham necessidade de outros compostos extraídos da maconha, como o THC. Percebemos que o processo de importação era muito dificultado pela Anvisa, muito moroso, muito burocrático. Algumas pessoas, no desespero, acabavam se arriscando a ser presas e a cometer tráfico de drogas, justamente porque não podiam ter importação facilitada e tinham necessidade de obter aqueles medicamentos, por indicação terapêutica.
Anvisa vai esperar para se pronunciar sobre liberação de derivado da maconha
Eram pacientes que precisavam especificamente do THC?
Alguns, sim. Conhecemos casos de pessoas que tinham necessidade do canabidiol especificamente, como aqueles que sofrem de epilepsia, e havia aqueles, no caso de dores, principalmente, que se beneficiam do THC.
Que tipos de enfermidades seriam beneficiadas pelo THC?
Nós listamos na ação uma série de enfermidades, fazendo referência a estudos que se debruçaram sobre o assunto e que perceberam efeitos terapêuticos positivos das duas substâncias: esclerose múltipla, doenças generativas como mal de Alzheimer, neuropatias em geral, epilepsia. Nesse meio tempo, a Anvisa foi obrigada a abrir a discussão e reclassificou o canabidiol. Acontece que o canabidiol pura e simplesmente não adianta. E havia uma grande resistência ainda de reclassificar o THC. Então, para nós, foi um grande avanço a decisão judicial, porque acreditamos que internamente a Anvisa não teria feito essa reclassificação.
Por que você pediram uma liminar para obter a liberação antes de o mérito ser julgado?
Porque as pessoas necessitam desses medicamentos para ontem. Se não há reclassificação, as pessoas tem de ingressar individualmente com um processo para importação, o que é analisado caso a caso. Se as pessoas estão sofrendo de enfermidades que causam dores crônicas, que não respondem a outros tratamentos, e têm essa prescrição, elas têm necessidade urgente. E essa pode ser julgada só daqui a três, quatro, cinco anos.
A decisão vale para todos o brasileiros?
Vale. Como nosso pedido é para regular a questão em caráter coletivo e na própria norma, não faz sentido a norma valer só para o Distrito Federal.
Como vocês se posicionam em relação aos efeitos nocivos do THC apontados por especialistas?
É verdade que o THC tem efeito psicotrópico e pode produzir, sim, danos a algumas funções cerebrais. Mas também é verdade que tem benefício. Esperamos que em algum momento essa avaliação de custo-benefício seja feita de forma científica. Precisamos que esses estudos sejam possibilitados no Brasil. Essa questão de custo-benefício existe não só no THC, mas em muitos outros princípios ativos de medicamentes que são prescritos cotidianamente. Tem é de estudar até que ponto podemos usar o THC, em quais concentrações, para quais enfermidades. No Brasil, por uma questão mais política do que técnica, não se permite que se faça essa avaliação. Sem essa avaliação, não podemos dizer a priori que os efeitos do THC são mais nocivos do que positivos.
A ação do MPF pedia também permissão para o cultivo da maconha, o que não foi acolhido pelo juiz.
Realmente, não foi atendido na liminar. Pedimos isso, o cultivo para fins medicinais, porque há casos e estudos que apontam que o benefício terapêutico da canabis seria pela inalação. A planta, por ser medicinal, não precisaria passar por um beneficiamento ou ser transformada para que se torne medicamento de farmácia. Por isso, pedimos para ela ser avaliada de forma a constar no formulário nacional de fitoterápicos, como planta medicinal.