É o fim de uma era. Personalidades do meio cultural, autoridades e outros admiradores compareceram ao velório de Eva Sopher nesta quinta-feira (08) para se despedir da guardiã do Theatro São Pedro, que morreu na quarta (07), aos 94 anos. Dona Eva, como era carinhosamente chamada, foi velada das 11h às 18h no fosso para orquestra do teatro que era praticamente sua casa. Sobre o caixão fechado, estava uma bandeira de Israel, um pedido dela, que era de origem judaica. Atrás, a bandeira do Rio Grande do Sul e, ao redor, coroas de flores que chegavam aos poucos e terminaram por ocupar todo o fosso.
O público se acomodou nas poltronas da plateia como se assistisse ao espetáculo que foi a trajetória desta artista dos bastidores. Ao fundo do palco, um vídeo silencioso sobre ela era projetado. Do lado de fora do prédio, pendiam duas grandes faixas pretas e, dentro, um totem com a imagem de Dona Eva em tamanho real – confeccionado quando ela passou a estar menos presente devido a problemas de saúde – recepcionava os que chegavam, como um lembrete de que seu legado permanecerá.
Depois do velório, o corpo seria cremado em cerimônia restrita a familiares. Parte das cinzas seria depositada em uma paineira do Theatro São Pedro e outra parte seria enviada para Santa Maria, onde está enterrado o marido, Wolfgang Klaus Sopher, falecido em 1987.
Coube a Hique Gomez prestar a última homenagem a Dona Eva no palco, lendo um poema e tocando ao piano e cantando uma música que também serviu de despedida para Nico Nicolaiewsky, seu parceiro no espetáculo Tangos & Tragédias, falecido há quatro anos exatamente no mesmo dia que Dona Eva. Depois, ouviram-se as tradicionais três batidas que antecedem o início dos espetáculos e um aplauso de pé do público que, no final da tarde, ocupava quase todas as poltronas da plateia.
A designer Renata Rubim, uma das duas filhas de Dona Eva (a outra, Ruth Sopher Péreyron, tornou-se guardiã do Thetro Treze de Maio, em Santa Maria), relembrou, em depoimento à reportagem, que, enquanto outras crianças costumavam pedir presentes, na infância Eva pedia aos pais para a levarem ao teatro:
– Ela era uma fortaleza. Representava força, coragem, cultura. Tinha uma sabedoria que muitos acadêmicos não têm. Sua inteligência era iluminada.
Neto de Dona Eva, o diretor de cinema Gabriel Rubim iniciou, durante o velório, a captação de imagens para um documentário em longa-metragem sobre ela, ainda sem previsão de lançamento:
– Não é exatamente um documentário para contar a história de vida dela, mas para mostrar como seu trabalho influenciou a vida das pessoas no Rio Grande do Sul.
Também presente no velório, a escritora e colunista de Zero Hora Martha Medeiros ainda se lembra da ocasião em que Dona Eva a convidou para uma turnê particular pelo projeto Multipalco, complexo cultural que está sendo construído ao lado do teatro:
– Hoje, as pessoas só se envolvem em projetos por benefício financeiro, mas ela não. Fez tudo isso por saber da importância da cultura. É um amor por um ideal que trouxe da Alemanha. Veio nos dar lições de empreendedorismo e perseverança.
Ator que se apresentou inúmeras vezes no palco do São Pedro, Zé Victor Castiel avalia que o legado de Dona Eva vai além do prédio que preservou com amor e rigor. Para ele, a guardiã também deixará como herança o cuidado que os espectadores e os artistas têm em relação ao teatro.
– Como uma pessoa consegue incutir na cabeça de uma comunidade inteira que existe um lugar intocável? Ela começou como um exército de uma mulher só e morreu com um exército de 2 milhões de pessoas.
Para o diretor artístico do São Pedro, Dilmar Messias, essa lição de cuidado foi aprendida pelo próprio exemplo de Dona Eva:
– Ela tinha essa tradição de estar sempre presente. Andava pelo teatro com uma energia incrível. Subia e descia essas escadas com fôlego invejável.
Eva Sopher não poderá testemunhar as comemorações dos 160 anos do Theatro São Pedro, aniversário que será completado em 27 de junho. Mas os escudeiros que ela deixou garantem que sua obra será levada adiante. No dia 27 de março, será inaugurada uma nova etapa do Multipalco: o foyer, um espaço de 300 metros quadrados que receberá vernissages, mesas-redondas e outras atividades. Para que o complexo fique pronto, ainda falta concluir o novo teatro, o teatro-oficina e as salas menores. Segundo José Roberto Diniz de Moraes, presidente da Associação de Amigos do Theatro São Pedro, falta captar uma verba entre R$ 12 milhões e R$ 20 milhões, dependendo da “ambição”:
– A ambição é colocar no teatro-oficina uma plateia retrátil, por exemplo, que é mais cara do que colocar meia dúzia de cadeiras.