A família de Dirce Rech Bertoglio, 87 anos, e Laudelina da Silva Bertoglio, 88, se organizou numa espécie de comunidade no entorno do casal. Em um mesmo amplo condomínio da zona sul de Porto Alegre, vivem os idosos, uma filha, duas netas e outros parentes. Elizabeth da Silva Bertoglio Clos, 68 anos, filha, mora no apartamento da frente. Michelle Bertoglio Clos, 40 anos, neta, em um bloco próximo. O arranjo permite intensa convivência e ajuda mútua, ingredientes fundamentais para uma velhice mais saudável e tranquila.
A vizinhança atual dos pais com Elizabeth, porta com porta, já soma 45 anos — antes, ela residia a duas quadras de distância. A rotina inclui almoço compartilhado, horas de conversa na sala e diante da televisão. Da pandemia em diante, houve mudanças na dinâmica do casal — Laudelina se fragilizou com a morte de uma irmã. A idosa tem diagnóstico de demência e necessita de auxílio para caminhar e tomar banho, papel cumprido pelo marido, que exibe vigor invejável. Elizabeth está bem perto para o que for necessário, em especial o preparo da principal refeição do dia, que é preparada no seu apartamento.
— Facilita tudo. Cada um tem a chave da casa do outro — conta a filha.
Sempre que se cogitou mudança de endereço, a perspectiva envolvia Dirce, Laudelina e Elizabeth, os três, trocando de moradia.
— Estamos envelhecendo juntos — constata Elizabeth, admitindo certa estranheza. — Meus pais cuidam de mim, e eu, deles. É uma troca. Fico mais tranquila perto deles. Nem imagino ficar sem eles — completa.
O apartamento passa por adaptações conforme as necessidades aparecem. No banheiro, vê-se uma barra de apoio, por exemplo.
— Uma das coisas que temos de bom é respeitar muito a decisão do vô e da vó. A gente não impõe as coisas. Tudo é muito negociado — explica Michelle, lembrando de um tapete na sala que causava preocupação nas netas pelo risco de quedas e levou anos para ser retirado.
A família considera satisfatória a organização atual, dadas as demandas. Não é necessário, neste momento, um cuidador profissional. E o modelo deve se repetir:
— A rotina de cuidado tem essa questão da proximidade como facilitador. Agora minha mãe precisa cuidar mais dos pais. No futuro, eu e minhas irmãs cuidaremos dela — explica Michelle, assistente social.
Quando a saída é morar junto
Morar perto não é possível ou suficiente para todas as famílias com idosos, e as providências, quando surgem problemas, acabam tendo de ser outras. Em muitos casos, trazer os pais para viver na mesma casa, junto dos filhos e netos, é o arranjo viável quando há um caso de morte ou adoecimento. Esse movimento, em um cenário ideal, precisa ser precedido de conversa com todos os que serão impactados pela mudança.
Para a psicanalista Eloah Mestieri, especializada em envelhecimento bem-sucedido, todos juntos morando na mesma residência não deve ser a primeira escolha — quando houver, claro, a possibilidade de opção entre mais de um cenário.
— A menos que a casa tenha acomodações enormes, é muito difícil. O idoso costuma ficar no quarto. O filho ou a filha podem até gostar, mas o genro ou a nora se incomodam com aquela presença, e os netos não têm tempo para dialogar. Se o idoso tem autonomia, é melhor viver sozinho. Ele será mais bem quisto quando chegar, justamente porque ele sai depois (e volta para a sua própria casa) — afirma Eloah.
Se a única saída for a coabitação, a família que acolherá o idoso precisa de tempo de preparação — a menos que se trate de uma urgência, como uma cirurgia não planejada, uma fratura incapacitante ou um acidente vascular cerebral (AVC).
Gisele Varani, fisioterapeuta, especialista em Gerontologia Social e mestre em Serviço Social ressalta que morar junto é uma boa decisão quando há compreensão das mudanças que estão em curso.
— As famílias precisam se entender. Não dá para dizer, simplesmente, de um dia para o outro: "Meu filho, a vovó está chegando. Tire as suas coisas de metade do guarda-roupa porque você vai passar a dividi-lo com ela". Quando as coisas vão sendo construídas aos poucos, é possível entendê-las. Claro que, se houve um acidente, uma fratura, aí vai ter que se tomar uma decisão na hora, mas nem todas as questões do envelhecimento são dessa monta. Na grande maioria das vezes, vamos percebendo o envelhecimento dos nossos pais, algo de errado, e tem uma situação pontual, já vista anteriormente, que nos faz tomar uma atitude — comenta Gisele, uma das mentoras da Jornada para o Cuidado de Pais Idosos, da Escola de Filhos Adultos (mais informações abaixo).
O ideal é que o envelhecimento vire pauta das discussões bem antes de ser necessária uma mudança tão significativa quanto a transferência de um idoso para a casa dos filhos ou netos.
— O ideal é perguntar para nossos pais, quando mais jovens: "Você está preparado para morar com a gente? Como você quer que seja a sua velhice? E se acontecer alguma coisa?" Tem que fazer esse exercício quando está todo mundo bem. É como se luto, morte e adoecimento acontecessem só com o outro, e não com a gente. Não falamos sobre isso — diz Gisele.
Convivência com os "bisos"
Para Michelle, neta de Dirce e Laudelina, morar perto dos avós tem outra vantagem: o filho, Bento, dois anos, tem a possibilidade de conviver com os "bisos".
— Cresci com meus avós. Eu queria que meu filho tivesse isso também. Para mim, fez muito sentido na forma como fui me construindo como pessoa. Queria muito que o Bento tivesse essa convivência com a bisa Laudi e o biso Dirce. Meu filho tem afeto pelos meus avós. Acho que ter essa convivência intergeracional faz toda a diferença para a criança — observa Michelle.
O melhor é cada um na sua casa
- Considere, em primeiro lugar, manter o idoso na casa dele, implementando os ajustes necessários, como a contratação de um cuidador. Avance para as demais opções apenas se esta não for viável.
- Para selecionar um cuidador, as considerações devem ir muito além do salário pedido pelo profissional. Procure escolher alguém que tenha afinidade sociocultural com o paciente.
- O idoso pode participar da vida familiar de diversas maneiras, não necessariamente morando no mesmo endereço. Convide-o para passeios, programas culturais, almoços, jantares e festas. Telefonar e visitar também são iniciativas inclusivas.
- Qualquer que seja a possibilidade em discussão — morar com filhos ou netos, internação em casa geriátrica, auxílio de cuidador —, o idoso precisa saber o que está sendo cogitado para o seu futuro.
- Antes de o idoso se mudar para a casa dos filhos ou netos, os familiares que vão recebê-lo precisam conhecer seu real estado de saúde. Ele é saudável? É demenciado? Precisaremos fazer alterações na casa para acomodá-lo? Detalhes da personalidade também são fundamentais.
- Que comportamentos precisarão ser acolhidos e adaptados na nova morada? Como conciliar os diferentes hábitos dos membros da família? Pense sobre isso.
- Há irmãos que resolvem fazer um rodízio para cuidar do pai ou da mãe, e cada um hospeda o idoso por um período determinado. O idoso passa um mês com um filho, um mês com outro. A pessoa precisa poder dizer se está satisfeita com esse arranjo, sem uma residência verdadeiramente fixa.
- A família precisa conhecer a agenda de compromissos e lazer da pessoa que chega e se organizar para que seja viável (quem leva, quem busca etc.).
- "Não é necessário fazer nada, pode ficar no seu quarto" é uma resposta muito restritiva para quando o idoso se oferece para ajudar de alguma forma, além de poder reforçar a sensação de inutilidade. É preciso ter vida e atividades fora do próprio quarto.
Jornada para o Cuidado de Pais Idosos
A Jornada para o Cuidado de Pais Idosos será promovida pela Escola de Filhos Adultos. Na programação, seis encontros virtuais e cinco Rodas de Empatia, com informação e troca de experiências. Envelhecimento, comunicação, cuidados, moradia, demências, doenças crônicas degenerativas e finitude estarão entre os temas abordados. Os interessados em participar podem optar pela jornada completa ou por temas. As atividades começam em 21 de agosto e seguem até dezembro. Informações e inscrições aqui.