Ter depressão, morar sozinho e ser mulher, principalmente com idade acima de 80 anos, são condições associadas ao sentimento frequente de solidão, de acordo com estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autoavaliação negativa da saúde e qualidade do sono ruim também aparecem como fatores ligados a essa sensação no levantamento que acaba de ser publicado na revista Cadernos de Saúde Pública.
Foram analisados comportamentos, variáveis sociodemográficas e condições de saúde de 10 mil adultos acima de 50 anos e idosos brasileiros, não residentes em instituições como geriatrias, em período anterior à pandemia, e a prevalência de solidão, em diferentes níveis de intensidade. Com base na pergunta "Com que frequência o(a) senhor(a) se sentiu sozinho(a) ou solitário(a): sempre, algumas vezes ou nunca?", os resultados foram: 16,8% para "sempre", 31,7% para "algumas vezes" e 51,5% para "nunca".
"Embora a maior parte dos participantes tenha declarado nunca se sentir solitária, foi observada maior probabilidade de sempre sentir solidão entre mulheres, pessoas que moravam sozinhas, que nunca foram à escola, que pontuaram para depressão e as que avaliaram a própria saúde e a qualidade do sono como ruins/muito ruins", afirma o artigo.
A associação entre a solidão e a autoavaliação de saúde dos participantes é uma novidade na pesquisa nacional, destaca a psicóloga Anita Liberalesso Neri, professora da Unicamp e coordenadora do projeto, que conta ainda com o médico Paulo Afonso Sandy Júnior e a fisioterapeuta Flávia Silva Arbex Borim. A solidão não é só comportamental, há um componente orgânico também, aponta Anita.
— Tem os aspectos de saúde, comportamentais, ambientais. Pessoas com maior probabilidade de ter depressão têm também essas outras condições: morar sozinho, baixa escolaridade, ser mulher, ter autoavaliação negativa de saúde e qualidade do sono ruim. Essas coisas todas formam um conjunto — diz a psicóloga.
De acordo com a pesquisadora, solidão e depressão compartilham características. Por sua vez, têm mais probabilidade de estarem presentes em indivíduos muito idosos porque moram sozinhos, sem companhia, confidentes ou alguém que tome conta deles.
— Também são pessoas que têm muitas comorbidades. Com medo de cair e de sair, elas vão cortando coisas feitas fora de casa, deixam de ir à igreja, ficam retidas à casa, os outros também não as visitam. É grande a probabilidade de perder entes queridos, amigos e pessoas da mesma geração. Os contemporâneos têm o mesmo vocabulário, os mesmos valores, e vão escasseando na vida dos idosos — continua a docente da Unicamp.
O entorno vai sendo preenchido, mas as trocas não têm o mesmo significado.
— Você tem amigos, tem pessoas em torno, mas o problema é que essas relações são insuficientes. É gente nova, gente que você não confia, gente que está sempre te cobrando alguma coisa — observa Anita.
Os dados utilizados pelos pesquisadores são do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (Elsi-Brasil), que tem como objetivo investigar os determinantes sociais e biológicos do envelhecimento e suas consequências para o indivíduo e a sociedade. A linha de base foi dos anos de 2015 e 2016. A coleta é feita a intervalos regulares, e há a intenção de avaliar os dados referentes ao período da pandemia e também posterior à crise sanitária.
A pesquisa
- O objetivo foi investigar a prevalência de solidão e suas associações com indicadores sociodemográficos e de saúde em 10 mil adultos a partir de 50 anos e idosos, residentes em todo o país.
- Foram analisadas informações do banco de dados Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (Elsi-Brasil), referentes a 2015 e 2016.
- Com base na pergunta "Com que frequência o(a) senhor(a) se sentiu sozinho(a) ou solitário(a): sempre, algumas vezes ou nunca?", a prevalência de sempre sentir solidão foi de 16,8%; a de algumas vezes sentir solidão, 31,7%; e a de nunca sentir solidão, 51,5%.
- O sentimento de solidão intensa é mais frequente entre idosos de 80 anos ou mais quando comparados a idosos mais jovens.
- Embora a maior parte dos participantes tenha declarado nunca se sentir solitária, foi observada maior probabilidade de sempre sentir solidão entre mulheres, pessoas que moravam sozinhas, que nunca foram à escola, que pontuaram para depressão e as que avaliaram a própria saúde e a qualidade do sono como ruins/muito ruins.
- Os dados apontam a solidão como uma condição a ser levada em conta por serviços e profissionais responsáveis pelo cuidado de adultos e idosos, dado seu potencial para prejudicar a qualidade de vida nesses grupos.