A Maya aprendeu a dizer “medo”. Papai coruja, fiquei surpreso por ela, com menos de dois anos, ter dado um nome a algo tão abstrato. Até aí, nada de novo. Papais e mamães sempre se impressionam com as façanhas dos seus pimpolhos, mesmo que sejam absolutamente normais: “Incrível, sorriu. É um gênio, contou até três. Impressionante, está com dois dentinhos na boca”. Você já ouviu ou já disse alguma dessas frases, se não todas.
Semana passada, a Maya olhou para um cachorro e disse: medo. Primeiro, achei que fosse uma afirmação aleatória, mas logo notei que não. O rostinho e a postura corporal combinavam com a situação. Alguns dias depois, ela buscou na caixa de brinquedos um boneco de crochê. A intenção do artista certamente foi das melhores, mas o resultado, bem, o resultado ficou um tanto quanto exótico. A Maya virou o boneco de costas e disse: “Medo, medo, medo”. Tentando ajudar, convidei: “Maya, vem cá dar um abraço pro medo passar”. Esperei que ela viesse. Mas não. Ela processou minha frase por um segundo, estendeu a mãozinha, pegou o boneco e o trouxe ao encontro do meu peito. Então, eu abracei o medo, beeeeem forte. Depois devolvi para ela. Maya segurou-o e, sem dizer nada, também deu um baaaaaita abraço no boneco. Largou-o em seguida, dessa vez de frente para nós, e foi explorar um outro canto da sala. O medo tinha ido embora.
Fiquei pensando na cena e me lembrei de um querido amigo, o Alex Germani. Jovens adultos, convivíamos bastante na praia e nas festas da turma. Um dia, o Alex estava meio jururu. Fui me oferecer para conversar e ele respondeu: “Quando a gente fica triste, o melhor que podemos fazer é abraçar a tristeza, mergulhar nela a fundo, que só assim ela passa”. Nem sei se o Alex se lembra de ter me dito isso, lá se vão mais de 30 anos. Eu nunca esqueci. A Maya me fez recordar dessa cena ao me mostrar que não era ela quem precisava de um abraço, mas sim o medo.
O efeito foi fantástico. Quando acolhido, se transformou em ternura. Existe um provérbio chinês que fala sobre isso: “O cão não ladra por valentia, e sim por medo”. Grandes filósofos, artistas e pensadores se debruçaram sobre o tema. Quase sempre com um viés torto, como se sentir medo fosse algo intrinsecamente ruim. É o contrário. O medo pode ser a oportunidade para um abraço. Em alguém, em algo. Ou em si mesmo.