Enquanto o mundo investe em transporte público e energia limpa, o Brasil tira da cartola um plano para incentivar a compra de carros. As motivações do governo não vêm apenas das pressões diretas das grandes montadoras. Existe sim a intenção de preservar empregos e renda em tempos de juros altos, que restringem o consumo em nome de um objetivo mais relevante: frear a inflação. A cadeia automotiva é gigantesca e vai muito além das fábricas. Passa por oficinas de bairro, lojas de acessórios, pequenas empresas de lavagem e seguradoras, para citar alguns exemplos. Por isso, precisa ser preservada. Mas não do jeito que é hoje.
De fato, essa medida é, no mínimo, contraditória, quando confrontada com as promessas de campanha de Lula para a área ambiental. Desde sempre, o discurso pró-Amazônia e antiaquecimento global oferece um importante palanque para Lula, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. No mundo real, o PT e alguns de seus aliados já haviam dado aula de hipocrisia quando lançaram e festejaram o pré-sal, uma consagração ao petróleo, combustível fóssil altamente poluente, tanto do ponto de vista ambiental quanto político. O petróleo financia algumas das ditaduras mais terríveis do planeta. Quando não for mais necessário, o mundo será bem melhor. Regimes opressivos desabarão sem o dinheiro fácil que os sustenta. Acabar com o uso indiscriminado do petróleo é uma obrigação ética da humanidade. Algumas décadas atrás, quando os primeiros alertas foram emitidos, teríamos tempo para uma evolução mais suave. Hoje, já estamos atrasados.
Aqui no Brasil, enquanto Lula apontava as mãos besuntadas de petróleo para as câmeras, os projetos de energia limpa impulsionados pelo governo sumiam das manchetes e das agendas.
O estranho não é o governo brasileiro dar incentivos para a indústria automotiva. O estranho é que as transições entre a energia suja e a limpa e entre o transporte individual e o coletivo estejam tão atrasadas no Brasil, que teria todas condições de liderar esses processos.
Mais uma contradição de um governo frágil, que, em vez de caminhar, ainda tenta se equilibrar na corda bamba. A tendência é de que fique assim. E torcendo para que a brisa não se transforme em vento forte.