Ouvi essa história contada pelo Paulo César Tinga, um cidadão que admiro pelo que foi dentro do campo e pelo que representa fora dele. Em uma comunidade carente, um filho pergunta para a mãe: “Por que a senhora pede sal toda hora para a vizinha, se ela está desempregada e precisa de tudo muito mais do que a gente?”. A mãe explica: “Peço sal porque é muito barato. Assim, ela não se sente mal de me pedir outras coisas que ela precisa, mas que são mais caras”.
As histórias têm um poder fantástico. Elas materializam conceitos, crenças. São essencialmente humanas e humanizadoras. No caso da narrativa do Tinga, fiquei tocado pelo profundo sentido do que deveria ser a caridade. Às vezes, não há tempo e nem condições para ensinar a pescar. A fome é tanta, que é preciso, sim, dar o peixe. Mesmo assim, isso pode ser feito de uma forma delicada e digna. Estender a mão para o lado é mais belo do que para baixo, porque a distância jamais se cristaliza.
Fiquei com a imagem das vizinhas se ajudando martelando na cabeça. Tinha certeza de que a mãe, no caso, era a do Tinga. Mandei um áudio para ele pedindo autorização para citá-la. Ele me respondeu que não se tratava da mãe dele, mas, sim, de alguma outra mãe. “A história não é minha, é do mundo”, me respondeu. Tem uma outra história, essa do Tinga, que também me tocou. Como ele já a contou publicamente, sinto-me à vontade para transcrevê-la aqui. A mãe do Tinga era faxineira. Trabalhava nas madrugadas dos finais de semana, limpando um salão depois das festas. Domingo pela manhã, quando o Tinga acordava, havia doces e salgados que sobravam e que eram oferecidos a ela. Foi assim que Tinga passou a gostar do trabalho. “Se a minha mãe sai para trabalhar e volta para casa com essas coisas boas, então trabalhar é bom.” Assim pensava, quando era criança. Tem aquela velha frase que cito de vez em quando e que adoro: existe o que a vida faz com a gente. E existe o que a gente faz com o que a vida faz com a gente. Não é fácil, nem simples. Mas tem gente que consegue. O Tinga guri, o Tinga jogador, o Tinga empreendedor, palestrante, pai, marido e cidadão conseguiu. Todas as histórias, no fundo, são do mundo. A gente só precisa ouvi-las, aprendê-las e transformá-las em nossas histórias.